terça-feira, 30 de dezembro de 2008
2008/2009
21 mil quilômetros rodados entre Goiânia e Brasília
260 horas de aulas nas carteiras da UnB
60 encontros de orientação de três formandas da Católica
Um apartamento novo
Quase 3 mil reais de gasto com um carro velho
50 pessoas queridas dentro do apartamento novo
Quase 40 especiais de domingo
15 dias de férias
Banhos de mar em São Luís
Passeios nas ruas de Paraty
Quase 80 noites dormidas em casas de amigas em Brasília
Roteiro cultural em São Paulo
Incontáveis partidas de sinuca ganhas e perdidas
Quase 50 livros de teoria lidos
Maior intimidade com Foucault, Weber, Heidegger e Peirce
Uma crônica por mês
Um bocado de carência afetiva
Uma mudança de casa
Uma mudança de planos profissionais
Um grande afago no ego profissional
Algumas noites de depressão
Algumas saudades não satisfeitas
Alegrias e preocupações com os sobrinhos
Nenhuma grande matéria
Alguns sonhos para 2009
Em 2008, sonhar foi possível e necessário.
Em 2009 temos que continuar sonhando. Mesmo que os sonhos não se realizem
Feliz sonhos novos
segunda-feira, 15 de dezembro de 2008
"Essa rua tá estreita"
"Essa rua tá estreita..."
E vai o pau d´água, o pudim de cachaça, o pé de cana barbeirando no meio da via pública. É Deus que não deixa ele dar com as fuças na calçada. Vai desviando de lixeiras, vai espantando cachorros que latem assustados, vai escorando nos postes, pegando fôlego para continuar. Vai apalpando os bolsos já sebentos das calças já largas que cobrem um corpo já combalido pelo vício, procurando algo que já não possui.
Também é um homem que tem freqüentes visões do paraíso. Entra nos bares e passa o olho mole e remelento, vermelho de tanto álcool, por prateleiras em que rebrilham o que mais deseja: a cachaça.
O pau d'água, o pudim de cachaça, o pé de cana é ou não é uma instituição? Uma instituição que mal cabe em si. E mal cabe na rua também...
"Essa rua tá estreita..."
segunda-feira, 8 de dezembro de 2008
Odeio Adesivos, Graças a Deus
Tem outros que são mais apocalípticos: Jesus voltará!!! Gostaria muito de saber como estas pessoas têm tanta certeza disso. Alguém ligou avisando que Jesus está a caminho? Como é que eles sabem? Será que têm alguma linha direta com o Céu pela qual recebem informações privilegiadas?
No meu veículo tem uns adesivos também, confesso. Um de lavajato, outro de um shopping e um terceiro, todo embolorado, com a imagem da Virgem Maria.
Sim, tenho. Mas este adesivo está pregado há tanto tempo que não sai mais. Já tentei, juro por Deus! Juro pelo que há de mais sagrado neste mundo que já tentei me livrar do adesivo mariano. Esse adesivo me persegue tanto que estou pensando em colocar meu carrinho santificado à venda, com adesivo e tudo. Algum católico, graças a Deus, estaria interessado em adquiri-lo?
quarta-feira, 26 de novembro de 2008
Dona Iraci Vai Cair de Novo
– Minha filha, você não devia ter dito aquilo pra Dona Iraci. Já falei pra você não bater boca com vizinho.
– Mas, mãe, dessa vez essa fofoqueira da Dona Iraci passou dos limites! A senhora viu o que ela falou de mim lá no chá de panela da Laura?
– Ela não falou por mal, Lourdinha.
– Ela não falou por mal!? Não falou por mal!? Mãe, ela me chamou de encalhada, disse que do "jeito" que eu ando na rua, nunca que eu vou arrumar homem pra casar!
– É que ela é muito franca, filha. É o jeito dela.
– Franca o escambau. Aquela mulher é uma cobra. Disse que a minha saia é muito curta, que eu ando muito maquiada. Velha invejosa, isso sim!
– Não fala assim, Lourdinha. A Dona Iraci é uma pessoa de certa idade e sofreu aquele acidente horrível no ônibus, coitada. Deve ter batido a cabeça.
– Pois deveria ter quebrado a cabeça mesmo e não apenas a cabeça do fêmur! Bem feito pra ela!
– Lourdinha, pára com isso. A gente não deve desejar mal a nenhuma pessoa. Tem muita gente que gosta da Dona Iraci.
– Dona Iraci não é "pessoa" coisa nenhuma. É uma bruxa! Feia como o cão! Com aquelas pernas cheias de varizes, com aquele monte de sacolas que ela anda por aí.
– Coitada, ela fez uma cirurgia nas veias, não lembra? Andou de meia kendall um tempão. Mas aí as varizes voltaram...
– Também, a diaba não guardou repouso. Ficava por aí zanzando atrás de alguma fofoca. Não sossega o facho.
– Mas minha filha...
– Pára de defender a Dona Iraci, mãe. Pois fique sabendo que um dia ela me chamou de sádica, disse que duvidava que eu tivesse nascido de uma mãe...
– Aquela lambisgóia disse isso?
– Disse sim senhora.
– Mas, mas...
– Vai, defende a velha fuxiqueira, defende...
– Mas eu vou mostrar pra aquela bucha de canhão quem é que não tem mãe! Aquela filha de chocadeira vai se ver comigo...
– Aonde a senhora vai, mãe? Espera... Mãe... Volta aqui...
– Me deixa Lourdinha, vou lá acertar as contas com a Dona Iraci.
– Mas a mulher tá entrevada na cama, com pino na perna.
– Não interessa. Ela vai ver com quem mexeu. E te digo uma coisa, Lourdinha. Do jeito que eu tô nervosa, conforme for, hoje a Dona Iraci vai cair de novo.
sábado, 8 de novembro de 2008
É uma cadela
Vamos celebrar nossa vaidade
É, Lili é uma cadelinha de uma raça impronunciável, mais feia que a morte. Mas a dona a acha linda e não percebe que se o bicho gostasse da fruta, seria o próprio capeta chupando manga. Mas é a Lili, a xodozinha da madame, aquela que tem todas as mordomias, a paparicada, que tem até uma babá. Por tratar a cadela como gente, a patroa trata a babá como cachorro. Mas quem pode, pode, não é mesmo? Vamos celebrar nossa vaidade em suas mais absurdas demonstrações de afetação.
Mas há horas em que essa gente tão ocupada em divertimentos caninos se cansam, sabe? Cansam, cansam... Dizem assim: cansei! Dondoquices e afetações cansam, acha que não? Ir a cabeleireiro fazer penteados vistosos, empastar o rosto de maquiagem, cuidar do modelo do vestido, ir a Nova York, esquiar em Aspen, escolher o carro novo, preparar aniversário de cachorro. UFA!!!! Claro, tem ainda a bala perdida, tem o desemprego, a violência, a fome. Claro, eles também se preocupam com isso. Fazem até chás beneficentes para cuidar do assunto com as amigas. Aproveitam para falar mal das ausentes, fofocar sobre possíveis traições na alta roda, mas comparecem com as contribuições que mostram toda a generosidade que têm.
segunda-feira, 27 de outubro de 2008
O Rei do Domingo
"Agora é hora, de alegria. Vamos sorrir e cantar. Da vida não se leva nada. Vamos sorrir e cantar."
Domingo sem Sílvio Santos? Impossível, inconcebível, inadmissível. Gerações e gerações (aí incluída a minha) já associaram o final de semana ao mais famoso e duradouro apresentador da TV brasileira. Com aquele seu porte altivo, seu jeito particular de gesticular, sua voz bem colocada e sua indefectível risada, Senor Abravanel (nome verdadeiro do Homem do Baú) entra em nossa casa, na maior intimidade.
quarta-feira, 15 de outubro de 2008
Na minha casa
sexta-feira, 26 de setembro de 2008
Pontos de Interrogação
sexta-feira, 12 de setembro de 2008
Para quem gosta de reparar os outros
O observador
Ele adorava ficar observando as pessoas. Crítico ao extremo, guardava para si uma opinião quase sempre desabonadora sobre o vizinho, o colega de trabalho, o sujeito que se sentava ao seu lado no ônibus. E sua astúcia em encontrar defeitos era diabólica. Identificava as varizes nas pernas da senhora gorducha, reparava nos dentes espaçados do jovem tímido que respirava pela boca, ficava atento às unhas carcomidas da mulher que usava chinelo de dedo. Fazia ilações perniciosas sobre manchas na pele do senhor à sua frente na fila do banco, não tirava os olhos do cabelo mal tingido da dona de casa de meia idade, sabia até quando alguém usava uma roupa puída ou mal costurada.
Todo este senso de observação o colocava em grande isolamento. De tanto destacar os defeitos alheios, todos passaram a ser meio repugnantes para ele. Sempre havia um porém nas garotas que lhe sorriam, nos conhecidos que tentavam ser simpáticos, em qualquer pessoa que ensaiasse uma aproximação. Ele refutava todos. Seja pelas mãos calosas dos mais velhos ou pela falta de jeito dos mais jovens, seja pelos pelinhos do nariz do empregado ou pelo perfume forte do patrão. Ninguém era perfeito o suficiente para ele.
Mas não costumava se olhar no espelho. De manhã, molhava o rosto sem se encarar, penteava o cabelo rapidamente para não se estudar muito, tinha resistência em experimentar roupas nas lojas por conta de sua própria imagem no provador. De tão observador, temia se olhar e descobrir, uma a uma, todas as suas imperfeições.
Uma mulher, porém, começou a vê-lo com outros olhos, a observá-lo com interesse. Ela morava no mesmo prédio e de vez em quando tinham encontros casuais no elevador. Ele já a havia definido como baixinha demais e de sobrancelhas irregulares. A vizinha, por sua vez, o encarava como um pequeno animal raro, cheio de vontades e um pouco acuado. Sim, ele tinha um sinal desagradável no pescoço, sua colônia era enjoativa, seu corte de cabelo era antiquado e suas roupas eram excessivamente limpas e sempre combinadinhas. Defeitos para ela, sem dúvida, mas todos eles assimiláveis.
Um dia eles trombaram na saída do elevador. Foi um encontrão acidental que o levou, pela primeira vez, a olhar nos olhos de outra pessoa. Ali não importou a roupa, a maquiagem, o estado do cabelo, da pele. Contou apenas o olhar que ela lhe lançou. Ela o observava mais fundo do que ele próprio já havia observado alguém. Ela tentou fotografar sua alma, tudo aquilo que ele, tão expert em detalhar as aparências alheias, sequer desconfiava que poderia ser visto.
Se eles terminaram juntos? Claro que não, jamais dariam certo.
Se ele perdeu sua mania de observar os outros? Claro que não, hábitos tão arraigados não se perdem em um encontrão. Daquele dia ficou para ele apenas uma lembrança: "logo logo aquela moça vai precisar fazer uma cirurgia de catarata".
quinta-feira, 28 de agosto de 2008
Um gênio
O Grande Chaplin
segunda-feira, 21 de julho de 2008
Joseph Barbera
terça-feira, 8 de julho de 2008
Sinuca de bico
A arte da guerra... No bilhar
"Vamos jogar uma partidinha?"
É hora de escolher as armas do duelo. O taco mais reto, com a cabeça em melhores condições, no peso certo. De preferência, aquele de estimação, que tem uma marquinha na madeira para diferenciá-lo dos demais.
As bolas são postas no pano verde. O barulho do marfim se tocando é a senha para os curiosos se aproximarem.
É hora de espalhar as bolas e tentar matar alguma na primeira tacada, forte e cheia de efeito. Ás colado na tabela, o jogo começa. São 14 bolas para morrer.
Com técnica, o jogador que saiu mata a 2 azul no canto. E já está de olho na 14 verde que ficou reta em outra caçapa. É hora de estudar o jogo. Matar descolando a 10 que está na tabela para pegá-la no meio. Mais uma bola morre, e outra. Com efeito, sobe o bolão e pega a 4 roxa lá em cima, ajeita a 6 verde no meio e rola a 8 preta para a boca. Ótimo início. Só tem uma mal posicionada, a 12 roxa, entre duas bolas rosas, a 5 e a 13, do adversário. É hora de seu oponente mostrar a que veio.
Ele começa com uma bola difícil, longa, mas a 3 vermelha entra na caçapa de metal fazendo barulho. Com técnica, ele deu uma "paradinha" no bolão, deixando a 7 marrron reta no meio. Matando-a com meia-força, descola a 11 vermelha, ajeitando-a no outro canto. A mata com força pegando "na bunda" a 9 amarela. Outra bola morta. É hora de rolar a 15 marrom para a boca e deixar o adversário abrir o jogo.
É a arte da guerra. Todas as jogadas são minuciosamente estudadas. Os dois precisam se defender. Em torno da mesa, eles se movem como dançarinos, numa coreografia não-ensaiada. A forma como seguram o taco mostra o nervosismo. Mãos suadas exigem o uso do giz branco.
Quem mata as pares deixa seu 8 na boca e bate, de leve, no 12, tentando abrir só sua bola. Cola o 5, mas deixa o 13 para o adversário. Ele agradece, mata a bola e rola o 5 para a boca. Já são três caçapas ocupadas. Em jogada espetacular, quem mata as pares corta a 12 por fora, matando-a no meio. Mas o bolão acaba morrendo também. É suicídio e o jogo é castigado. Sai a menor bola do oponente, a 5 que está na boca. Agora, resta o 15, que ele mata com efeito, esbarrando no ás. Mas ele fica no rumo da caçapa onde está o 8. É hora do prego.
Devagarzinho ele estaciona o bolão atrás do ás. Ao adversário resta matar o 8 sem triscar na bola amarela. Se cegar, perde o jogo. Depois de muitos cálculos, a única saída é fazer o bolão correr toda a mesa, bater em três tabelas e matar a bola. Jogada complicada, quase impossível. Mas com perícia, ele a executa com perfeição. Agora, quem matar o ás, ganha. O combate terá um vencedor.
Meia hora depois, os dois já estão tomando uma cervejinha juntos e falando de futebol. Quem ganhou aquela guerra? Que guerra que nada. Era só uma partida de bilhar.
domingo, 29 de junho de 2008
Um jornalismo de ainda...
Essa pergunta, acredito, persegue a todos que, de fato, se importam com a profissão.
Ela vem me acompanhando e me encontrando em muitos papéis. Estudante, profissional de redação, professor. Os argumentos vieram mudando no decorrer do tempo, na medida em que a experiência de profissão ensinava algo.
Sim, os anos de profissão trouxeram uma certa descrença em determinadas situações, alguma insatisfação pessoal e um calejamento do lombo, tão alvejado por pressões de toda ordem.
Mas sabem de uma coisa? Se o jornalismo não for assim, não tem muita graça. Um certo tesão sadomasoquista? Pode ser. A grande magia do jornalismo, porém, é estar perto do diferente, do que não faz parte de seu cotidiano. É compreender as pessoas que vai encontrando pelo caminho.
Eu ando pelo mundo
Prestando atenção
Em cores que eu não sei o nome
Cores de Almodovar, cores de Frida Kahlo, cores
O bom é não saber o nome de todas as cores, é descobrir tantas tonalidades, é ainda ter a capacidade de se surpreender, de se indignar, de se emocionar com as pessoas, com as situações, com os lugares que o jornalismo proporciona encontrar.
Passeio pelo escuro
Eu presto muita atenção no que meu irmão ouve
E como uma segunda pele, um calo, uma casca
Uma cápsula protetora
Eu quero chegar antes
Pra sinalizar o estar de cada coisa
Filtrar seus graus
É bom passear pelo escuro, não ter idéia do que vai encontrar ou ouvir ao sair para uma pauta, ao conversar com uma pessoa. É bom sentir-se o elo que liga uma realidade escondida ao restante das pessoas que ainda a desconhecem. É bom chegar antes e anunciar algo que ninguém ainda sabia. É bom sinalizar para problemas que estão sendo ignorados, é bom filtrar informações inverídicas.
Transito entre dois lados
De um lado, eu gosto de opostos
Exponho o meu modo, me mostro
O jornalismo é transitar entre todos os lados, é evidenciar os opostos, é expor, mostrar. Jornalismo para mim ainda tem algo de mágico, algo de intangível e de inclassificável. Ainda não perdi todas as minhas ilusões. Ainda gosto de me desafiar a escrever um texto gostoso, a tentar tirar de um entrevistado algo que ele nunca disse a ninguém, a defender os direitos de quem não os exerce, a comentar uma obra interessante, conversar com pessoas que tenham algo a dizer. Minha visão de jornalismo ainda é caloura, ainda é crente, ainda é boba. Não conseguiria fazer algo que não tenha o mínimo de ludicidade, de criação. Mesmo que tenha "remoto controle" sobre muita coisa nesse processo, ainda quero fazer parte dele, espernear, argumentar, entristecer-me e realizar-me no ofício que escolhi. Ainda...
quarta-feira, 11 de junho de 2008
Espetáculo estranho
domingo, 1 de junho de 2008
Crônica da Dona Iraci
Eis a crônica da discórdia.
Dona Iraci vai cair
Uma vez a cada quinze dias, dona Iraci vai no Centro fazer compras. Compra tudo o que vê, a infeliz. Volta para casa com um monte de sacolas de plástico nas mãos. Tem um mau-gosto desgraçado. Sempre sobe no ônibus por volta das 4 da tarde, quando o coletivo ainda não está muito cheio. E dona Iraci gosta de viajar sentada. Também, com aquelas pernas varizentas. Ela se esparrama no banco, aquela gorda, e fica soterrada com aquele monte de sacolas.
Mas naquele dia, dona Iraci bobeou. Bem feito. A folgada passou pela catraca e quis se sentar lá na última fileira, na traseira do ônibus. Que erro terrível, dona Iraci! Lá foi ela, atulhada de sacolas, mastodôntica, em busca do banco vazio quando, de repente, o ônibus freou bruscamente. E veio voltando dona Iraci, de ré, catando cavacos de costas. Todo o caminho percorrido desde a catraca ela ia refazendo, só que agora sem rumo, sem nada para se apoiar. É, dona Iraci vai cair. Hoje, essa miserável cai.
"Estava tão próxima", pensava dona Iraci, "tão perto daquele banco. Maldita freada. Onde é que eu vou parar, meu Deus", se perguntava ela. "E se eu me machucar no tombo, Virgem Maria. Como é que vou fazer a janta hoje, como é que vou pegar o Diogo na creche. Também, a Amália encosta, viu. Arruma filho sem pai e estrepa a mãe. Por quê ela mesma não pega o filho. Tudo nas costas da avó besta aqui".
Dona Iraci reclamava em pensamento, mas isso não a ajudava. Amaldiçoar os paspalhos dos passageiros que não faziam nada para ampará-la não evitava o destino final. E bem que ela merece um destino trágico. "A catraca. Jesus amado, vou rachar o coco na catraca. Ou então vou quebrar os dentes em alguma quina de banco. Não tenho dinheiro para ficar colocando dente novo não." Dona Iraci, dona Iraci... A senhora não toma jeito mesmo. Prestes a se estabacar e pensando em miudezas. Mas seu pensamento é miúdo, né, dona Iraci? Miudezas vão se espalhar todas pelo piso do ônibus. Os colares de contas vão se esfacelar, aquele jogo de copos americano vai virar caquinhos, o lençol barato vai rasgar.
É, dona Iraci, não tem jeito, a senhora vai cair. Vai se esborrachar no chão como um saco de batatas, vai se estatelar no piso do ônibus, vai virar os cambitos pra cima, vai dar vexame na frente de desconhecidos, mostrar a anágua, a calçola, tudo, dona Iraci.
Mas dona Iraci merece esse tombo. É reclamona, maledicente, fofoqueira. Espalha mentiras sobre os vizinhos. Tem vergonha da filha que é mãe solteira, vive jogando isso na cara da coitada. Agora a freada do motorista fará justiça. Dona Iraci, com todas as suas tranqueiras, vai pro chão, vai ruir, vai desabar como um prédio velho. Vai dona Iraci, cai logo, desgramada. Tomara que trinque a bacia, que pise colocar pinos no braço. Senão, do que terá valido subornar o motorista do coletivo, pagando para ele dar essa freada quando a filha da mãe dessa xexelenta passasse pela catraca. Ah, Dona Iraci. A senhora me paga, diaba velha. Todas as mentiras que espalhou de mim na vizinhança, todas as insinuações maldosas, todos os prejuízos que sofri. Pagará com juros. Hoje Dona Iraci vai cair.
quinta-feira, 8 de maio de 2008
Uma pequena crônica sobre o tempo
Ouvindo Chico Buarque, me deparei com o inexorável:
"Eu acho que vou desligar
As fichas já vão terminar"
Dois versinhos bobos, nem tão bonitos assim da música Bye, Bye, Brasil me fizeram pensar mais do que um tratado de filosofia inteiro.
As fichas já vão terminar? Fichas? Que fichas?
Para qualquer adolescente de hoje falar em fichas – nestas fichas – é uma aberração. Como assim? Se ligava de telefone público com fichas?
Pois é. Era assim mesmo que nós, os mais... digamos... experientes, usávamos o velho e bom orelhão.
Cartão? Que mané cartão. Isso não existia tempos atrás. Era com a famosa fichinha de metal, do tamanho de uma moeda, que as ligações eram feitas em aparelhos públicos, num tempo em que ter uma linha de telefone em casa significava um investimento financeiro.
Aquela fichinha que sumia dentro das bolsas das mulheres, que os homens deixavam cair do bolso das calças e que pareciam nunca ser suficientes para fazer as ligações que precisávamos fazer. Elas eram colocadas na parte de cima dos aparelhos e quando a ligação se completava – algo que poderia muito bem não acontecer –, um barulhinho dela caindo dentro do depósito de fichas do telefone sinalizava que a pessoa iria sim conseguir falar com o parente distante. A ficha havia caído.
Me lembro que estas fichas eram, ao mesmo tempo, úteis e desprezadas. Era fácil encontrá-las jogadas nas ruas, em ralos de pias, perdidas no fundo de alguma gaveta pouco aberta.
Fico me perguntando onde foram parar tantas fichas? Que destino este fóssil tecnológico teve? Onde está este instrumento pré-analógico na era digital? Será que existe alguém que coleciona fichas telefônicas ou elas estão fadadas ao esquecimento total, restritas a menções enigmáticas em uma canção dos anos 70? Possivelmente sim. Mas a ficha telefônica serve a outro objetivo. Ela é uma prova de que o tempo passa, de que o tempo voa... Serve para a gente perceber que... Bem, é melhor deixar pra lá. Não vamos encompridar a conversa não. A ficha já caiu, tá bom!
domingo, 27 de abril de 2008
segunda-feira, 21 de abril de 2008
A vida ensina
Digo a mim mesmo: Rogério, não tome os outros por você; Rogério, não se importe com quem não se importa com você; Rogério, olhe bem e veja quem de fato merece sua atenção. É uma equação estranha e complicada. Se criticamos pessoas por determinadas atitudes, querendo que elas as mudem, acabamos, muitas vezes, nessa obsessão pela mudança alheia, esquecendo que nós também precisamos mudar nossas próprias ações, que pode haver alguém que deseja exatamente a mesma coisa e você ainda não percebeu.
Há pessoas que são especiais e dão grandes provas de coragem, que lhe dão grandes lições. Estou recebendo uma dessas nesse momento e isso acabou me serenando um pouco. Ao olhar para os problemas de pessoas que, de fato, gostam de você, aí é que percebemos que muitas de nossas preocupações são bobas, infantilidades e perdas de tempo. Mesmo passando por grandes provações, há pessoas que ainda conseguem dar demonstrações explícitas de carinho, apreço e atenção. São a essas pessoas que devemos nos dedicar, em quem devemos pensar, a quem devemos retribuir. A vida ensina. Um dia a gente aprende.
domingo, 6 de abril de 2008
O Leão e o Bode
quarta-feira, 12 de março de 2008
Não é à toa que a música chama-se PERFEIÇÃO
Vamos celebrar a aberração
domingo, 9 de março de 2008
Sentir-se querido
O exercício da amizade é uma arte. Uma arte muito delicada, cheia de detalhes, de intenso labor, mas que, como toda arte com essas características, quando feita com a atenção devida e a vontade requerida, geralmente resulta em uma obra ímpar.
Tenho bons amigos. Pessoas que admiro e que me ensinam aquela que talvez seja a maior de todas as artes: a de viver melhor. Ontem, encontrei-me com algumas dessas pessoas e elas, com o carinho, o afeto, os sorrisos e abraços que me deram, conseguiram recarregar minhas baterias para o que vem pela frente.
A conversa franca, o sorriso verdadeiro, o despudor em dizer que gosta da gente, que estava com saudades, que está feliz em encontrá-lo de novo é o que mais conta nas amizades que valem. O olhar de torcida para que seus planos dêem certo, a satisfação em saber que você está prestes a fazer uma conquista, o compartilhar dessa vitória, tudo isso prova o que é a amizade.
Esses amigos são valiosos para o meu momento atual. Muitos desafios pela frente (pessoais, acadêmicos e jornalísticos). Animado para superá-los devagar, sem pressa, aprendendo com cada um deles. E com os amigos de fato por perto. Vamos juntos.
sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008
Só alguns comentários bestas
- Dizem que para conhecer uma pessoa é preciso dar poder a ela. Concordo, mas outra forma eficiente de se aferir isso é contrariar a pessoa em teste. Contrarie a pessoa, não dê a ela o que deseja, atravanque seu caminho de propósito. Se ela esconde alto, certamente vai se revelar.
- É impressionante como as pessoas, em tempos de mudanças, tornam-se egoístas. A generosidade e a comunhão são dois exercícios muito, muito difíceis em situações normais. Em momentos atípicos, de stress, essas são qualidades praticamente inexistentes.
- Quando alguém pergunta sobre sua vida, sobre como será sua rotina, quando quer saber mais sobre um desafio profissional ou pessoal que você tem que enfrentar, nem sempre o interesse é bem intencionado. Tem gente que só sabe sabotar psicologicamente os outros, entre sorrisos falsos e desejos de boa sorte. Não devemos mesmo julgar os outros por nós mesmos. Nem por nossos defeitos e muito menos por nossas qualidades.
- A angústia e a tristeza, nos seus significados mais literais, estão cada vez mais presentes hoje em dia. Como diz a música, "um dia feliz, às vezes é muito raro." Não podemos deixar esses estados de espírito imperar o temoo todo, mas também não vale a pena lutar demais para bani-los. Eles, em muitos momentos, são educativos.
Eu avisei. São comentários bestas e estúpidos. Mas é que a gente precisa dividir coisas assim. Mesmo que seja com ninguém.
domingo, 24 de fevereiro de 2008
Retratos do cotidiano
O Ernesto não tem jeito
Não, não tem jeito. O ano acabou e o Ernesto não se emenda.
Se ele bebe muito? Nada, só socialmente, como dizem.
Se ele trai a mulher? Bom, isso eu não sei.
Mas não são sobre os pecadilhos cotidianos que estou falando não. O problema do Ernesto é mais estrutural. Ele teve uma vida tranqüila, sem grandes porres ou amantes conhecidas, mas aí é que está o grande problema do Ernesto. A vida dele foi, é e vai continuar sendo muito tranqüila. Quer dizer, tranqüila sob um certo ponto de vista. Para a família dele, nada de tranqüilidade não. Há até uma dose de tormento, isso sim.
Se ele bate na mulher? Não, pára de pensar só o pior dos outros.
Se bem que o que o Ernesto faz não deixa de ser um tipo de agressão. É um tabefe psicológico, podemos dizer. O Ernesto, com aquela mania de economizar, de comprar casa para alugar, de deixar patrimônio para os filhos, não viu a vida passar. E ainda por cima tapou a visão da pobre da mulher dele. Por isso ela ficou amarga e os dois hoje, já caminhando para a velhice, só querem saber de brigar.
Mas aturar o Ernesto, todos estes anos, criando os filhos deles da forma mais regrada possível, mesmo a família podendo esbanjar um pouco mais, não deve ser mole não. Até entendo a rabugice da Socorro.
“Dinheiro não dá em árvore”; “não sou sócio da Celg, apaguem essas luzes”; “este ano não vamos viajar porque estou apertado.” Estas são algumas das frases que Ernesto repetiu como um mantra por toda a sua vida. E nem agora, com os filhos criados, todos já fora de casa, com a despesa bem menor e os aluguéis todos entrando direitinho na conta, o Ernesto não toma prumo.
Acredita você que ele não comprou presentes, neste Natal, nem para os netos pequenos?
E você acredita que o Ernesto continua a trabalhar feito um mouro para obter lucros de longo prazo? Ele incorre em erros que já perduram um longo tempo. O tempo de uma vida.
Em 2007, o Ernesto choveu no molhado em relação a seus defeitos. Não melhorou em nada. Até deu um pioradinha. É torcer agora para que em 2008 o Ernesto tenha de fato, pela primeira vez em toda a sua vida, um Ano Novo.
terça-feira, 12 de fevereiro de 2008
Centenário duplo
segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008
Crônica
Dona Luísa, Seu Onofre
A risadinha banguela era sempre protegida com a mão, assim como o cabelinho estava sempre debaixo de um lenço estampado. Miudinha, Dona Luísa transpirava inocência. Destas inocências que a gente não encontra mais. Destas inocências em extinção, que não se sabem sequer inocentes. Ela tinha um chinelo velho, mas muitas vezes dava milho às galinhas, descalça mesmo, se unindo mais uma vez a uma terra que ela sabia cuidar. Dona Luísa tinha boa mão para a horta, para a criação.
Na época que Dona Luísa habitava uma casa que um dia tinha sido caiada de branco, com piso de chão batido, a menos de um quilômetro dela, do outro lado do córrego vivia Seu Onofre. Ao chegar na casa dele, lá onde sempre havia uma doce água de moringa e um bom dedo de prosa para oferecer, Seu Onofre vivia com sua velha esposa e duas irmãs que todos ali chamavam de "bobas". Mas era um adjetivo sem ofensa, sem maldade. Não tinha disso ali não. O ambiente era doce. Doce pelo reinado de uma certa resignação construída em uma vida dura, sem luz, sem grandes confortos. Mas também doce porque Seu Onofre fabricava rapaduras. Um melado dourado, mágico. "Decepar a cana, recolher a garapa da cana." Era este o ofício de beleza que ele tinha. As rapaduras de Seu Onofre eram famosas.
E dona Luísa já adoçou muito café com elas. E com ele já conversou muito sobre o passado, sobre os conhecidos que sumiram, sobre os pais que morreram, sobre tempos pretéritos e preocupações mais ou menos presentes. Ambos tinham no rosto a marca do tempo e da força que fizeram para viver. Ambos carregavam cicatrizes de perdas, o peso de lembranças boas e más. Dona Luísa e seu Onofre viveram seu tempo. Não estão mais aqui. Suas casas velhas têm outra ocupação hoje. Mas deixaram algo além de descendências. Os dois ficaram na lembrança de mais alguém, que ainda menino se encantava com aqueles dois. Com dona Luísa ainda mais. Ela que adorava cumprir grandes distâncias a pé e andava ligeira que ela só. Dona Luísa que oferecia a quem gostava gestos de carinho, como reservar os melhores ovos de suas galinhas poedeiras, a melhor hortaliça. Dona Luísa que cedinho estava no curral ajudando a apartar bezerros, que cozinhava para os homens da casa que trabalhavam na roça.
Dona Luísa, Seu Onofre. Que Deus os tenha. E que Ele nunca jogue fora a forma em que fez gente como vocês.
domingo, 10 de fevereiro de 2008
Estréia
Abraço a todos