O observador
Ele adorava ficar observando as pessoas. Crítico ao extremo, guardava para si uma opinião quase sempre desabonadora sobre o vizinho, o colega de trabalho, o sujeito que se sentava ao seu lado no ônibus. E sua astúcia em encontrar defeitos era diabólica. Identificava as varizes nas pernas da senhora gorducha, reparava nos dentes espaçados do jovem tímido que respirava pela boca, ficava atento às unhas carcomidas da mulher que usava chinelo de dedo. Fazia ilações perniciosas sobre manchas na pele do senhor à sua frente na fila do banco, não tirava os olhos do cabelo mal tingido da dona de casa de meia idade, sabia até quando alguém usava uma roupa puída ou mal costurada.
Todo este senso de observação o colocava em grande isolamento. De tanto destacar os defeitos alheios, todos passaram a ser meio repugnantes para ele. Sempre havia um porém nas garotas que lhe sorriam, nos conhecidos que tentavam ser simpáticos, em qualquer pessoa que ensaiasse uma aproximação. Ele refutava todos. Seja pelas mãos calosas dos mais velhos ou pela falta de jeito dos mais jovens, seja pelos pelinhos do nariz do empregado ou pelo perfume forte do patrão. Ninguém era perfeito o suficiente para ele.
Mas não costumava se olhar no espelho. De manhã, molhava o rosto sem se encarar, penteava o cabelo rapidamente para não se estudar muito, tinha resistência em experimentar roupas nas lojas por conta de sua própria imagem no provador. De tão observador, temia se olhar e descobrir, uma a uma, todas as suas imperfeições.
Uma mulher, porém, começou a vê-lo com outros olhos, a observá-lo com interesse. Ela morava no mesmo prédio e de vez em quando tinham encontros casuais no elevador. Ele já a havia definido como baixinha demais e de sobrancelhas irregulares. A vizinha, por sua vez, o encarava como um pequeno animal raro, cheio de vontades e um pouco acuado. Sim, ele tinha um sinal desagradável no pescoço, sua colônia era enjoativa, seu corte de cabelo era antiquado e suas roupas eram excessivamente limpas e sempre combinadinhas. Defeitos para ela, sem dúvida, mas todos eles assimiláveis.
Um dia eles trombaram na saída do elevador. Foi um encontrão acidental que o levou, pela primeira vez, a olhar nos olhos de outra pessoa. Ali não importou a roupa, a maquiagem, o estado do cabelo, da pele. Contou apenas o olhar que ela lhe lançou. Ela o observava mais fundo do que ele próprio já havia observado alguém. Ela tentou fotografar sua alma, tudo aquilo que ele, tão expert em detalhar as aparências alheias, sequer desconfiava que poderia ser visto.
Se eles terminaram juntos? Claro que não, jamais dariam certo.
Se ele perdeu sua mania de observar os outros? Claro que não, hábitos tão arraigados não se perdem em um encontrão. Daquele dia ficou para ele apenas uma lembrança: "logo logo aquela moça vai precisar fazer uma cirurgia de catarata".
2 comentários:
vc sempre acabando com minhas ilusoes... gosto mesmo é de novela. sempre tem final feliz.
Adorei o texto!
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