sexta-feira, 12 de outubro de 2012

E os discursos se repetem

Artigo que publiquei em O Popular em 06.10.12


Preste atenção nesta fala. "O dinheiro foi sobra de campanha. Fazer esse tipo de coisa é até natural dentro da cultura política brasileira." Quem a pronunciou? Aposto que muita gente pensou que ela é de autoria de um notório goiano, falando a respeito de um escândalo que se encontra em julgamento no STF, não foi? Até poderia ter sido mesmo Delúbio Soares, já que a tese de sua defesa contra as acusações que pesem sobre ele vai pelo caminho do caixa 2 de campanha eleitoral, algo que ele já admitiu em uma CPI no Congresso. Mas a frase não é dele e sim de outro famoso ex-tesoureiro. Quem disse isso foi Paulo César Farias, em uma entrevista concedida em 1995 ao repórter Roberto Cabrini e reprisada na última quinta-feira no programa Conexão Repórter, do SBT.
Vinte anos depois do impeachment do ex-presidente Fernando Collor, que teve PC como um de seus protagonistas, estamos, de novo, em meio ao debate de um lamentável escândalo de corrupção envolvendo altas esferas do poder. E os discursos se repetem, como um mantra interminável que parece nos fazer estacar e, em alguns momentos, retroceder. Algo que pode ser constatado em vários outros exemplos. Quer ver? Numa entrevista, um importante político afirma: "Havia e há compra de votos. Eu não posso negar que pode ter havido essa compra, mas não fomos nós, o governo federal. Nós não nos envolvemos." Quem deu essa resposta? Lula, quando descoberto o esquema do Mensalão? Não! Foi Fernando Henrique Cardoso, em uma entrevista ao site da revista Veja, em 2009, rebatendo as suspeitas de que ocorreu barganhas pouco republicanas para que a emenda constitucional que permitiu a reeleição fosse aprovada pelo Congresso.
Quer ver como essas repetições vêm de longe. Pense na frase: "Essa imprensa golpista quer desestabilizar o governo!". Não parece coisa de petista reclamando da mídia por achar que grandes veículos de comunicação queriam derrubar o governo Lula? Pois essa história de imprensa golpista vem desde Getúlio Vargas, quando, lá sim, havia uma guerra entre o presidente e donos de jornais, como Carlos Lacerda, que queriam ocupar a sua cadeira. Sem entrar no mérito das queixas de getulistas ou lulistas, o que enfatizo aqui é a repetição de um discurso, o uso dos mesmos argumentos empregados lá nos anos 1950. Não é meio frustrante perceber que as discussões políticas não evoluíram em vários aspectos em mais de meio século?
Dia desses, a presidente Dilma foi à TV anunciar um "pacote de bondades" para a área industrial. Com mais ou menos essas palavras, ela disse: "Nós vamos fortalecer a industrialização deste país para gerar emprego e avançar tecnologicamente". Não era mais ou menos isso que Juscelino Kubitschek dizia, na década de 1950, para vender seu famoso Plano de Metas, aquele que faria o Brasil avançar 50 anos em 5? O que aconteceu de lá para cá? Fracassamos terrivelmente, já que as prioridades continuam as mesmas, ou chegamos a ir adiante, mas, em algum momento, voltamos a perder terreno, ficando para trás de novo?
Discursos que se repetem mostram, acima de tudo, lentidão nos avanços, seja na economia, na cultura política, na vida em sociedade. O mundo é dinâmico e não pode estar ancorado em velhos blá-blá-blás, em pretextos mofados que escondem deficiências, em desculpas que, de tão usadas, já ficaram surradas, esfarrapadas. Certas ladainhas, ninguém aguenta mais ouvir. Elas são chatas e, nos casos citados acima, perniciosas.

quinta-feira, 28 de junho de 2012

Evidentemente


Crônica que publiquei alguns meses atrás no jornal O Popular. Com o ensinamento de mestre Muniz Sodré, que me concedeu a honra de participar de minha banca de defesa de tese de doutorado na UnB sobre Jornalismo Literário. Nada como a sabedoria.


Evidentemente!




Não costumo falar aqui de fatos que ocorreram, preferindo inventar ou transmutar minha memória. Mas esse pequeno causo que vou contar é acontecido e testemunhado. No início desta semana, em uma defesa de tese, o grande professor Muniz Sodré, referência internacional na área da comunicação, ex-diretor da Biblioteca Nacional, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro e autor de 30 livros, deu mais uma prova de sapiência. Falando sobre linguagem, ele disse que o discurso, a fala tem um poder simbólico enorme dependendo de quem se pronuncia, quem ouve e em que situação essa relação se dá. E exemplificou afirmando que no Nordeste, quando alguém em melhor posição social se dirige a pessoas menos favorecidas, costuma sapecar um “evidentemente!” quando quer encerrar o assunto. É falar “evidentemente!”, de preferência com alguma ênfase, que o debate se esgota, a conversa acaba e tudo está resolvido, ainda que não esteja.

Pensei na hora que é exatamente assim e que o “evidentemente!” tem seus sinônimos. Pensei mais: que essas estratégias de fuga do debate também são ótimas para nos livrar dos chatos que não param de alugar nosso ouvido. Eu não sei quais são os “evidentemente!” que o leitor usa, mas eu tenho alguns. O mais preguiçoso é o “ahã”. Eu, pelo menos, falo “ahã” sempre que alguém a quem não quero prestar atenção cobra a tal atenção que eu não quero dar. A pessoa fala, seca a goela de tanto argumentar, explicar, narrar e recebe em troca o insípido “ahã”.

Outro recurso que emprego bastante é o “tá bom”. Para mim, quase tudo “tá bom”, ainda que esteja tudo ruim. É mais ou menos como aquele modão sertanejo, em que “tá ruim, mas tá bom”. Tá bom coisa nenhuma. Estará bom quando a pessoa parar de falar potoca pra mim. Aí estará bom. Também falo muito “pois é”. Uso esse “pois é” como um coringa, até mesmo quando quero interromper a pessoa naquele misto de elegância e deselegância que certa gente bem que merece. Agora, o meu “evidentemente!” preferido é, sem dúvida, o “sei”. Ele denota, na medida certa, a falta de paciência em continuar escutando um interlocutor que não para de falar, ainda mais se o que ele estiver falando for abobrinha. E o “sei” também é um pouquinho cínico e arrogante, já que, na maioria das vezes, eu não sei porcaria nenhuma, mas digo “sei” para parecer mais inteligente do que sou e tirar do outro o domínio da sabedoria que ele acha que tem na conversa. Se ele sabe e me explica, deixo claro que eu também “sei”, ora essa!

O que fica de ensinamento disso tudo é que devemos empregar nossos pequenos refúgios discursivos todas as vezes em que estivermos em perigo. Um político safado veio lhe pedir votos? Jogue um “tá bom” e saia de perto. Um pastor ou um padre veio lhe ameaçar com o fogo do inferno? Responda um breve “ahã” e dê as costas. O síndico veio encher o saco por conta da festinha da noite passada? Solte um “pois é” e faça cara de paisagem. Um chato pedante veio lhe ensinar a viver do jeito que ele acha certo? Resuma sua resposta a “sei” e pronto. Conversa fiada, conversa encerrada, evidentemente!

terça-feira, 6 de março de 2012

Viva Gonzagão




“O candeeiro se apagou, o sanfoneiro cochilou, a sanfona não parou e o forró continuou.” Meus avós maternos eram cearenses e eles gostavam de contar muitas histórias dos forrós lá do interior do Nordeste, onde o povo parecia ter fôlego de maratonista queniano. O arrasta-pé durava a noite inteira, com o forró pé de serra, o xote, o baião. Esses ritmos todos tiveram em Luiz Gonzaga o maior de todos os artistas, o rei da sanfona, o poeta do sertão. Gonzagão era mais que um ídolo para meus avós e para milhões de nordestinos que saíram de sua terra em paus-de-arara para tentar a sorte no Sul. Gonzagão era um dos seus grandes representantes, o homem que cantava e traduzia em versos e melodias suas alegrias e tristezas, suas lembranças e saudades.

“Eu penei, mas aqui cheguei”, cantava o Velho Lua, talento puro na condução da sanfona. Este ano marca o centenário de Gonzagão e seria bom que não esquecêssemos alguém que fez música de verdade, não esses refrões pegajosos e vazios que tanto sucesso fazem hoje em dia. Com o devido respeito a Januário, pai do grande sanfoneiro e imortalizado num forró clássico, Luiz Gonzaga contribuiu para que a música brasileira ganhasse os contornos que tem hoje. No tempo da bossa-nova e da genialidade de Tom Jobim, no momento em que o samba se refinou com Pixinguinha, Gonzagão trouxe algo totalmente diferente, cantando proezas e amores, fazendo piada com valentias e perplexidades, narrando os estranhamentos que o nordestino costumava ter ao se deparar com o que encontrava em cidades como São Paulo e Rio de Janeiro.

As metáforas de Luiz Gonzaga – “Quando o verde de seus olhos se espalhar na plantação” ou “saudade assim faz doer e amarga que nem jiló” – flertavam com a perfeição. Falavam às pessoas simples com extrema inteligência e poesia, representando amarguras e sonhos de milhões de pernambucados, paraibanos, potiguares, alagoanos. Gonzagão era o grande artista de rosto redondo e cabeça chata que tinha o tisnado do Sol do sertão e o humor perspicaz do nordestino. As canções pontuadas pelo triângulo e o zabumba eram, também, verdadeiras crônicas de costumes e tipos sociais, como a menina que “só pensa em namorar”, o devoto que pede chuva aos céus para salvar sua lavoura, da morena que dança no “resfolego da sanfona até o Sol raiar” e que “faz o veio ficar moço”.

Luiz Gonzaga não é um injustiçado em sua importância. Ainda bem. O Nordeste inteiro ainda tem seus grandes sucessos na ponta da língua, assim como as grandes comunidades nordestinas espalhadas pelo Brasil. Gilberto Gil gravou um disco quase só com suas músicas. Chico Buarque caiu no forró ao lado de Dominguinhos para prestar seu tributo. Marisa Monte também o regravou, assim como Caetano Veloso, Gal Costa, Maria Bethânia. Ele se transformou numa referência e seu centenário este ano será comemorado como se deve: com muito forró por todo este País. Este singelo texto é um agradecimento aos muitos forrós que já dancei ao som de Luiz Gonzaga. “Vixe, como eu tô feliz, olha só como eu tô pago. Aquilo é que é forró, é forró de cabo a rabo.”