sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

Em memória de Pixaim



Rute e Patrícia eram amigas e tinham uma paixão em comum: gatos. Rute era mais discreta em sua preferência. Mantinha uma gatinha vira-lata em seu apartamento. Uma gatinha já idosa, que não era mais atraente para os gatos de rua que espreitam o telhado alheio. Já Patrícia tinha uma verdadeira legião de gatos. Era gato preto, gato siamês, gato persa. Nove gatos e gatas ao todo. Bastava abrir uma gaveta de qualquer móvel de sua casa para se deparar com um monte de pêlos ronronando lá dentro. Apesar de sofrer de asma e dos apelos do namorado, Patrícia não se desfazia de nenhum de seus felinos.
Um dia, Rute e Patrícia combinaram de colocar o papo em dia. Rute sugeriu um lugar que um amigo havia recomendado. E lá foram
E lá trabalhava Marilânio, mistura de Maria e Irânio, seus pais. O rapaz fazia sucesso com uma atração gastronômica deliciosa. Uma atração que guardava um terrível, um horrendo segredo.
Já adivinhou, não é leitor?
Sim, Marilânio servia espetinhos de gato. De gato, mesmo! Não era falta de caráter do pobre homem. É que quando ele vendia alcatra, picanha, filé com bacon, seu negócio ia de mal a pior. Tão de mal a pior que um dia ele já não tinha mais dinheiro nem para comprar coxão duro. Um dia, não teve dúvidas. Atraiu o Pixaim e... O Pixaim era um gato gordo, de cor indefinida, que vivia rondando a casa de Marilânio. De tanto dar sopa, virou espeto. Marilânio passou-lhe a faca e o serviu aos clientes.
Pixaim fez o maior sucesso. O pessoal adorou, lambeu os beiços sem saber que estavam comendo gato por boi. Marilânio, então, aproveitou a onda. Começou a caçar gatos em seu bairro, depois em regiões mais afastadas da cidade. Não podia ver um gato que dava um jeito de levá-lo para a brasa.
Naquele dia, ele estava chateado. Havia brigado com a namorada e o dono do local onde ele trabalhava queria uma comissão maior. Já tinha tomado umas latinhas para afogar as mágoas e toda vez que bebia, falava demais. Quando Patrícia e Rute chegaram para provar um espetinho, Marilânio já estava de fogo. As amigas até pensaram em ir embora, mas decidiram ficar quando, por um descuido, Marilânio pediu: “Não vão, experimentem o melhor espeto de gato da cidade.”
Elas se entreolharam e uma fúria justiceira tomou conta de ambas. Pergunta vai, pergunta vem, Marilânio já chamando urubu de meu louro confessou que sim, matava gatinhos para fazer espetinhos
Coitado do Marilânio... Mal sabia ele o que lhe aguardava.
Rute e Patrícia simplesmente espancaram o vendedor de espetinhos. Deram tapas, murros, pontapés. Morderam suas duas mãos, quebraram três dedos do pé e uma costela do coitado. Arranharam seu rosto, fizeram-no morder a língua, bambearam em sua boca um pivô que ele tinha posto recentemente, à custa de 40 ou 50 gatos de rua. Elas descarregaram em Marilânio um ódio quase materno. Marilânio ficou todo estropiado e só não foi pior porque alguns transeuntes intervieram no momento em que Patrícia e Rute, cada uma com um espeto na mão, decidiam como iriam usá-los no churrasqueiro.
Nunca mais Marilânio buliu com gato algum. Mudou até de ramo. Agora vende sabão de porta em porta. O sabão Pixaim. E os cachorros da vizinhança já começaram a sumir.