Como eu havia dito, aqui será um espaço também para mostrar alguns dos meus textos. Inaugurando, a primeira crônica minha publicada no jornal O Popular, em novembro do ano passado.
Dona Luísa, Seu Onofre
A risadinha banguela era sempre protegida com a mão, assim como o cabelinho estava sempre debaixo de um lenço estampado. Miudinha, Dona Luísa transpirava inocência. Destas inocências que a gente não encontra mais. Destas inocências em extinção, que não se sabem sequer inocentes. Ela tinha um chinelo velho, mas muitas vezes dava milho às galinhas, descalça mesmo, se unindo mais uma vez a uma terra que ela sabia cuidar. Dona Luísa tinha boa mão para a horta, para a criação.
Na época que Dona Luísa habitava uma casa que um dia tinha sido caiada de branco, com piso de chão batido, a menos de um quilômetro dela, do outro lado do córrego vivia Seu Onofre. Ao chegar na casa dele, lá onde sempre havia uma doce água de moringa e um bom dedo de prosa para oferecer, Seu Onofre vivia com sua velha esposa e duas irmãs que todos ali chamavam de "bobas". Mas era um adjetivo sem ofensa, sem maldade. Não tinha disso ali não. O ambiente era doce. Doce pelo reinado de uma certa resignação construída em uma vida dura, sem luz, sem grandes confortos. Mas também doce porque Seu Onofre fabricava rapaduras. Um melado dourado, mágico. "Decepar a cana, recolher a garapa da cana." Era este o ofício de beleza que ele tinha. As rapaduras de Seu Onofre eram famosas.
E dona Luísa já adoçou muito café com elas. E com ele já conversou muito sobre o passado, sobre os conhecidos que sumiram, sobre os pais que morreram, sobre tempos pretéritos e preocupações mais ou menos presentes. Ambos tinham no rosto a marca do tempo e da força que fizeram para viver. Ambos carregavam cicatrizes de perdas, o peso de lembranças boas e más. Dona Luísa e seu Onofre viveram seu tempo. Não estão mais aqui. Suas casas velhas têm outra ocupação hoje. Mas deixaram algo além de descendências. Os dois ficaram na lembrança de mais alguém, que ainda menino se encantava com aqueles dois. Com dona Luísa ainda mais. Ela que adorava cumprir grandes distâncias a pé e andava ligeira que ela só. Dona Luísa que oferecia a quem gostava gestos de carinho, como reservar os melhores ovos de suas galinhas poedeiras, a melhor hortaliça. Dona Luísa que cedinho estava no curral ajudando a apartar bezerros, que cozinhava para os homens da casa que trabalhavam na roça.
Dona Luísa, Seu Onofre. Que Deus os tenha. E que Ele nunca jogue fora a forma em que fez gente como vocês.
segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008
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7 comentários:
Rogério!
vc sempre distinto, né? tudo bem com vc? espero que sim! eu gosto da elegância com a qual você escreve, mesmo nos textos mais corriqueiros do jornal, quanto mais numa crônica com descrições tão precisas como esta. Ah! mas não vou ficar elogiando muito não. Afinal, mais textos ainda virão e seu link já está devidamente salvo no meu blog (que, aliás, mudou de endereço: www.fellipefernandes.wordpress.com).
Saudade, velho! Abraço.
muito bom. cara, já notou que essas inocências que não sabem nem sequer se julgar inocentes tem uma inteligência profunda, calada e simples? blog cativo agora!
Pablo
Oi, Rogério. Fellipe visitou e me deu o endereço. Já havia lido o texto quando publicou. Não sei tinha comentando, mas, para variar, ficou bem melhor que muita crônica publicada naquele espaço. Não preciso nem dizer que sou fã, né. Abração, boa sorte no blog.
Adoro dona Luísa.
Deire.
tô visitando aqui. achei massa todo mundo com um espaço virtual. abração!
que coisa esta dona luísa, hein! adorei a inocência, a singeleza e o nome, é claro!
Oi, Rogério...
Sou fã do seu trabalho e curiosa, então, gostaria de saber qual a sua formação acadêmica. Gosto do que vc faz e já participei de uma oficina na I Bienal. Sou formada em Letras. Pode escrever-me, se preferir: azul_andreia@yahoo.com.br
Vou continuar acompanhando seu trabalho. Obrigada! Andréia
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