Nas últimas horas deste ano que termina, o balanço não é negativo, de forma alguma. 2010 foi um ano muito, muito intenso, de emoções fortes e um grande aprendizado. Talvez tenha sido um dos anos em que tive maior crescimento pessoal e só por isso todos os perrengues e incertezas valeram a pena ser vividos. Um ano inesquecível.
- Comprei meu primeiro carro zerinho, zerinho. Aquele cheirinho inconfundível não tem preço. Quer dizer, tem preço e ele é meio alto. E fica maior ainda com emplacamento, seguro. Mas êta dinheiro bem gasto. É bom demais se dar um bom presente.
- Reforcei amizades muito queridas. Os que já estavam próximos ficaram ainda mais perto. Os que pareciam longe deram demonstrações inequívocas de afeto. Os que já haviam se mostrado distantes outras vezes tiveram gestos generosos e comoventes. Foi bem bacana isso.
- Conheci o ódio, a incompreensão, a covardia que o anonimato e a leviandade costumam alimentar. Já havia tido contato com esse tipo de sentimento muitas vezes gratuito, mas não na dimensão que ocorreu em 2010. O bom é que junto veio a solidariedade, o ombro amigo, a confiança em meu trabalho e isso foi gratificante. No saldo, ficou o que recebi de bom.
- Pela primeira vez, fui ameaçado de morte e processado. E pela primeira vez, soube que tinha motivos para processar muitos agressores. Experiências paras as quais pedi serenidade e termino 2010 com a tranquilidade de quem conseguiu encarar as situações da melhor forma possível. Não pensei que teria maturidade para isso, mas não é que eu tive?
- Pela primeira vez, ganhei um prêmio importante de jornalismo por um trabalho que me deu muito, muito prazer em fazer. As reportagens sobre o Rio Araguaia atenderam às minhas melhores expectativas. Fiquei muito feliz de encontrar as pessoas que encontrei e contar suas histórias da forma como contei. O jornal em que trabalho me deu liberdade e condições para realizar o melhor, confiou no meu trabalho e o resultado foi inesquecível para mim. É tão bom fazer reportagem!
- Em 2010, realizei o sonho de minha mãe de conhecer o Rio de Janeiro e me senti muito bem em poder proporcionar isso a ela, ver seus olhos brilharem aos pés do Cristo Redentor, relaxar no alto do Pão de Açúcar, rir enquanto corria da chuva no Jardim Botânico, me cutucar num shopping do Leblon perguntando se aquele ali era "aquele ator". "Sim, mãe, é ele sim."
- Em 2010, curti férias com amigos maravilhosos. Em Búzios, com Leandro e Luciana, meus afilhados de casamento. Ele, um irmão que escolhi quando tinha apenas 4 anos. Na Argentina e Uruguai, com Rossana e Renata, arriscando um portunhol fajuto, comendo desbragadamente, visitando livrarias maravilhosas, conhecendo gente e lugares para lá de interessantes.
- Em 2010 deu até para curtir um pouquinho a vida. Beijar na boca é bom, né?
Listei aqui as coisas boas deste ano que termina. Houve muitas tristezas também, claro. Elas sempre aparecem. Mas para que falar das perdas, das lágrimas, dos sentimentos menos nobres? Que 2011 venha incensado por aquilo que vale a pena.
Um Feliz Ano Novo a todos os leitores deste blog!
sexta-feira, 31 de dezembro de 2010
sábado, 11 de dezembro de 2010
A vida é um mistério
Nesse plantão de sábado à tarde em que estou, pensei...
- Que 2011 pode ser um ano decisivo.
- Que o texto jornalístico nunca deixa de ser escorregadio.
- Que, de fato, há pessoas boas e pessoas más. Onde me insiro?
- Que tenho muitos sentimentos que não são nobres.
- Que a intolerância ronda o mundo.
- Que a incompreensão domina muita gente.
- Que rir com os amigos é muito bom.
- Que ficar triste é muito fácil.
- Que sentir saudade é incontrolável.
- Que uma criança de 10 anos pode ser mais forte, muito mais forte que você.
- Que existe amor incondicional.
- Que pensar na vida é também pensar na morte.
- Que escrever é uma arte e que você percebe isso com os textos alheios.
- Que bolo de fubá e rosca são uma delícia.
- Que o café da Zezé também é uma delícia.
- Que o sanduíche do McDonalds não é uma delícia.
- Que a solidão pode ser necessária e muito cruel.
- Que é preciso ter muita paciência e serenidade para se fazer uma tese.
- Que amo jornalismo e que esse amor é meio bandido, ingrato.
- Que você pode receber um alfajor de presente e ficar feliz com isso.
- Que é preciso respeitar as pessoas, mas que certos indivíduos não merecem respeito algum.
- Que é fácil gritar e provocar.
- Que tenho muitos livros a ler.
- Que ler Kafka é necessário.
- Que quero viajar.
- Que quero estar com quem amo.
- Que tenho muito medo de muita coisa.
- Que voltei a gostar de café.
- Que nunca deixarei de gostar de Coca Cola.
- Que emagreci e não quero voltar a engordar.
- Que já me apaixonei muito e que isso, de qualquer maneira, é bom.
- Que a vida é um mistério.
- Que 2011 pode ser um ano decisivo.
- Que o texto jornalístico nunca deixa de ser escorregadio.
- Que, de fato, há pessoas boas e pessoas más. Onde me insiro?
- Que tenho muitos sentimentos que não são nobres.
- Que a intolerância ronda o mundo.
- Que a incompreensão domina muita gente.
- Que rir com os amigos é muito bom.
- Que ficar triste é muito fácil.
- Que sentir saudade é incontrolável.
- Que uma criança de 10 anos pode ser mais forte, muito mais forte que você.
- Que existe amor incondicional.
- Que pensar na vida é também pensar na morte.
- Que escrever é uma arte e que você percebe isso com os textos alheios.
- Que bolo de fubá e rosca são uma delícia.
- Que o café da Zezé também é uma delícia.
- Que o sanduíche do McDonalds não é uma delícia.
- Que a solidão pode ser necessária e muito cruel.
- Que é preciso ter muita paciência e serenidade para se fazer uma tese.
- Que amo jornalismo e que esse amor é meio bandido, ingrato.
- Que você pode receber um alfajor de presente e ficar feliz com isso.
- Que é preciso respeitar as pessoas, mas que certos indivíduos não merecem respeito algum.
- Que é fácil gritar e provocar.
- Que tenho muitos livros a ler.
- Que ler Kafka é necessário.
- Que quero viajar.
- Que quero estar com quem amo.
- Que tenho muito medo de muita coisa.
- Que voltei a gostar de café.
- Que nunca deixarei de gostar de Coca Cola.
- Que emagreci e não quero voltar a engordar.
- Que já me apaixonei muito e que isso, de qualquer maneira, é bom.
- Que a vida é um mistério.
quinta-feira, 2 de dezembro de 2010
Os livros que ainda não li
Aqui do lado sempre coloco uma listinha dos livros que acabei de ler.
Pois aqui vai uma lista de 10 obras que ainda não li, mas que adoraria poder ler um dia.
- Notas do Subterrâneo (Dostoiévski)
- Educação Sentimental (Flaubert)
- A Montanha Mágica (Thomas Mann)
- Mrs Dalloway (Virginia Woolf)
- Travessuras da Menina Má (Mario Vargas Llosa)
- Retrato em Sépia (Isabel Allende)
- Dubliners (James Joyce)
- Memorial de Maria Moura (Rachel de Queiroz)
- Corpo de Baile (Guimarães Rosa)
- A Caverna (José Saramago)
Pois aqui vai uma lista de 10 obras que ainda não li, mas que adoraria poder ler um dia.
- Notas do Subterrâneo (Dostoiévski)
- Educação Sentimental (Flaubert)
- A Montanha Mágica (Thomas Mann)
- Mrs Dalloway (Virginia Woolf)
- Travessuras da Menina Má (Mario Vargas Llosa)
- Retrato em Sépia (Isabel Allende)
- Dubliners (James Joyce)
- Memorial de Maria Moura (Rachel de Queiroz)
- Corpo de Baile (Guimarães Rosa)
- A Caverna (José Saramago)
quinta-feira, 21 de outubro de 2010
O Rio e seus Afetos
A série de reportagens Araguaia: O Rio e Seus Afetos, escrita por mim e com fotos de Renato Conde, foi agraciada com o 9º Prêmio Crea de Meio Ambiente na categoria mídia impressa.
Essa é uma conquista muito especial em razão de ser um projeto bastante acalentado, debatido e sonhado. Percorrer o Araguaia, numa viagem que superou os 2.500 km, e descobrir nesse itinerário quem são os homens e as mulheres que nutrem por esse patrimônio ambinetal e simbólico um amor incondicional foi gratificante em muitos sentidos.
O prazer em fazer jornalismo reside, em grande parte, nessas jornadas e na oportunidade de traduzi-las com verdade e dedicação. Matérias especiais dessa monta são cada vez mais raras e quando a ocasião de fazê-las surge não se pode deixar passar. Além disso, é preciso perseguir esses projetos, fazer com que aconteçam, lutar por eles.
A premiação me deixou muito feliz e completa um sentimento de dever cumprido e tarefa bem realizada que tive quando as reportagens foram publicadas e ganharam repercussão junto aos leitores do jornal O POPULAR. Aqui expresso minha gratidão por todos aqueles que fizeram dessa ideia uma realidade.
Quero aqui agradecer as editoras do Magazine Rosângela Chaves, que acreditou na proposta e ajudou a formatá-la, e à editora-assistente de O Popular, Silvana Bittencourt, que encampou a ideia e agiu para que o investimento nas matérias fosse realizado. Também agradeço aos designers Lúcio Rodrigues e Fernando Salazar, que diagramaram com sensibilidade todo o material, dando a ele uma linguagem visual muito bonita.
Quero agradecer ao companheiros de jornada Renato Conde e Jamelão/Gaúcho, o motorista, que guiou por mais de 2.500 km, muitos deles em estradas de chão, sempre atento a tudo o que pudesse contribuir para o trabalho. Agradeço ainda ao jornal O POPULAR, que acreditou nessa iniciativa, apostando em um jornalismo de maior profundidade, no tratamento diferenciado da notícia e de seus personagens. Agradeço, por fim, a todos os amigos que me incentivaram a fazer a matéria e que dividiram comigo a alegria desse reconhecimento.
quarta-feira, 22 de setembro de 2010
Pequenos retratos
- Uma tese que vai, devagar, tomando forma (como ficará?).
- Dias de intensa preguiça.
- Dias de surpresas, sustos.
- Um olhar mais condescendente diante do espelho.
- Algumas ideias que reforçam a velha vocação.
- Reviravoltas no campo profissional.
- Desejo de mais reviravoltas no campo profissional.
- Um outubro que promete.
- Um fim de ano para planejar 2011.
- Um 2011 de grandes, enormes definições.
- Elogios inesperados (quem diria?).
- Aceitar o ritmo alheio (ficamos melhores com a tolerância).
- Vontade de inovar em muitos aspectos.
- Vontade de crescer em vários outros.
- Momentos de relaxamento, sem pensar em nada, só em água.
- Criatividade em alta.
- Encontros e desencontros.
- Muuuuuuuuuuita saudade de tanta gente...
- Saudade de quem está longe.
- Saudade de quem está perto.
- Um dezembro de esperança e expectativa.
- E três pedidos:
1 - Serenidade para aceitar as coisas que não posso mudar
2 - Coragem para mudar as que eu posso
3 - Sabedoria para distinguir entre elas
- Dias de intensa preguiça.
- Dias de surpresas, sustos.
- Um olhar mais condescendente diante do espelho.
- Algumas ideias que reforçam a velha vocação.
- Reviravoltas no campo profissional.
- Desejo de mais reviravoltas no campo profissional.
- Um outubro que promete.
- Um fim de ano para planejar 2011.
- Um 2011 de grandes, enormes definições.
- Elogios inesperados (quem diria?).
- Aceitar o ritmo alheio (ficamos melhores com a tolerância).
- Vontade de inovar em muitos aspectos.
- Vontade de crescer em vários outros.
- Momentos de relaxamento, sem pensar em nada, só em água.
- Criatividade em alta.
- Encontros e desencontros.
- Muuuuuuuuuuita saudade de tanta gente...
- Saudade de quem está longe.
- Saudade de quem está perto.
- Um dezembro de esperança e expectativa.
- E três pedidos:
1 - Serenidade para aceitar as coisas que não posso mudar
2 - Coragem para mudar as que eu posso
3 - Sabedoria para distinguir entre elas
quarta-feira, 8 de setembro de 2010
Chegará o momento
Há algo amadurecendo aqui dentro e chegará o momento de colocar as ideias em prática, de arriscar, de sentir um pouco de vento no rosto.
Há algo buzinando em meu ouvido e chegará o momento de não mais fazer que não ouço e de responder na mesma estridência.
Há algo me embrulhando o estômago e chegará o momento de não engolir tudo a seco, de fechar a goela para sapos, de escolher melhor o cardápio.
Há algo importunando meu sono e chegará o momento de sair da dormência, de despertar para uma outra realidade, de acordar.
Há algo embaralhando meus sentimentos e chegará o momento de organizar as coisas em minha cabeça, de saber o que sinto e o que não sinto, de fazer descobertas.
Há algo me chamando em algum lugar e chegará o momento de ir ver o que há na esquina, de pegar a estrada, de atender ao chamado.
Há algo e chegará o momento.
terça-feira, 3 de agosto de 2010
Em Paraty
Zarpando para mais uma cobertura da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip).
Entre os convidados, gente de grande peso e de livros fantásticos.
Salman Rushdie, autor de Versos Satânicos, uma das obras mais mágicas, divertidas, formalmente inovadoras e corajosas que já li. Literatura em estado puro, em especial a interminável queda de um avião dos dois protagonistas.
Isabel Allende, autora de A Casa dos Espíritos, obra magnífica que demonstra a habilidade narrativa da escritora. Nas gerações de uma família marcada por perdas, tragédias e afetos violentos, um pouco da história do Chile e uma rica amostra da alma humana. Uma das melhores personagens é Clara Clarividente, etérea como um anjo que nasceu por engano.
Terry Eagleton, teórico de palavreado sedutor e ideias contundentes. Seus Teoria da Literatura: Uma Introdução e Depois da Teoria são verdadeiras aulas de pensamento crítico e lúcido. Compartilho com ele a desconfiança acerca de quem acredita que a vida é só prática, sem um pensamento teórico que a baseie.
Até a volta, portanto.
Entre os convidados, gente de grande peso e de livros fantásticos.
Salman Rushdie, autor de Versos Satânicos, uma das obras mais mágicas, divertidas, formalmente inovadoras e corajosas que já li. Literatura em estado puro, em especial a interminável queda de um avião dos dois protagonistas.
Isabel Allende, autora de A Casa dos Espíritos, obra magnífica que demonstra a habilidade narrativa da escritora. Nas gerações de uma família marcada por perdas, tragédias e afetos violentos, um pouco da história do Chile e uma rica amostra da alma humana. Uma das melhores personagens é Clara Clarividente, etérea como um anjo que nasceu por engano.
Terry Eagleton, teórico de palavreado sedutor e ideias contundentes. Seus Teoria da Literatura: Uma Introdução e Depois da Teoria são verdadeiras aulas de pensamento crítico e lúcido. Compartilho com ele a desconfiança acerca de quem acredita que a vida é só prática, sem um pensamento teórico que a baseie.
Até a volta, portanto.
segunda-feira, 26 de julho de 2010
Foi um rio que passou em minha vida
O Araguaia, na altura de Itacaiú, em uma das pontes que ligam Goiás a Mato Grosso
Agora posso dizer: conheço o Araguaia. E digo isso sem um sentimento xenófobo de bairrismo, sem o ranso de um regionalismo exasperado. Digo com o orgulho de quem conheceu um tesouro e uma beleza que não se encontram apenas nos cartões-postais do maior e mais importante rio goiano. Conheço o Araguaia porque tive contato direto com sua gente, com as pessoas que o amam, com quem, de fato, se importa com sua preservação.
A série de reportagens especiais publicadas no jornal O Popular durante 8 dias seguidos, ilustradas com as maravilhosas fotos do colega Renato Conde (autor da imagem que ilustra este post), resgata em quem gosta e em quem acredita em um jornalismo feito na rua, conversando com gente, e não em ambientes refrigerados, o estímulo para continuar. São nessas horas que o jornalismo, de fato, faz sentido e temos de lutar sempre para que ele seja realizado, ainda que as dificuldades sejam muitas e imensas.
Para mim, percorrer 2.500 Km em torno do Araguaia, conversando com o carroceiro que há 42 anos faz pequenas viagens puxando areia, com o balseiro que conduz travessias repetidas mas tão variadas a cada vez que são feitas, com a lavadeira do barranco, com o menino arteiro que pula de ponta nas águas, com o empresário que refloresta as margens, com a família que se muda para a beira do rio, foi uma experiência inesquecível. Sinto-me privilegiado por viver esses momentos de grande aprendizado e enriquecimento pessoal.
No trabalho com a linguagem, a série de reportagens também trouxe o exercício de um jornalismo mais criativo e menos automático. Nos 8 dias do projeto, batizado por mim como Araguaia: O Rio e Seus Afetos, foram publicadas 11 páginas inteiras, com textos e fotos. Em cada uma, duas histórias de amores incondicionais pelo rio: paixão, amizade, companheirismo, saudade, cumplicidade, cuidado. Para cada uma dessas páginas, uma canção brasileira foi eleita para nortear a narrativa.
Ao escrever, ficava ouvindo músicas de Chico Buarque, Tom e Vinicius, Gonzaguinha, Milton Nascimento, Beto Guedes, Flávio Venturini, Ivan Lins. E foi impressionante confirmar como esses caras sabem traduzir os sentimentos. Sentimentos que as pessoas têm por outras pessoas, mas também pelo rio de suas lembranças de infância, pelo companheiro de pescarias, pelo lugar em que tiveram alegrias e tristezas muito intensas.
O objetivo foi mostrar um Araguaia anímico, com personalidade própria, capaz de fazer amigos e despertar paixões. É um rio da identidade dos goianos, mas, acima de tudo, é um rio em que as pessoas vivem, na acepção mais completa do verbo. Eu, como turista ou trabalhando, havia estado em rios que me emocionaram pela grandeza e pelo enorme simbolismo.
Já visitei o Rio São Francisco lá em sua nascente, na Serra da Canastra (MG), e lá em sua parte final, na ponte entre Juazeiro (BA) e Petrolina (PE). Realizando um velho sonho de infância, estive no Rio Negro e o vi encontrar-se com o Solimões, formando o gigante Amazonas. E ainda tive sorte, pois lá estive em uma das maiores cheias de sua história. Já visitei o Rio Tocantins, também grandioso, o Rio Guaíba, em Porto Alegre, que, na verdade, é um braço de mar, e o Rio Capiberibe, dos versos de João Cabral de Melo Neto, no Recife.
Faltava o Araguaia. Um rio que, posso dizer, conheço mais que todos os outros. Um conhecimento que vem de sua gente, de seu povo, de suas emoções.
segunda-feira, 21 de junho de 2010
Em homenagem a Saramago
Imaginação irrefreável
"Um homem foi bater à porta do rei e disse-lhe, Dá-me um barco." Com essa frase – na verdade, duas, com a pontuação saramagueana –, José Saramago começa a narrativa do belíssimo O Conto da Ilha Desconhecida. Uma obra arquetípica da produção detalhada e arrojada de um autor que tinha o dom de dominar a prosa. Na narrativa, o personagem quer viajar, conhecer, se encantar por paragens desconhecidas, tal qual o escritor quando cria, tal qual o leitor quando se deixa seduzir. Mas são tantas as dificuldades desse candidato a viajante... Tal qual o escritor, tal qual o leitor.
É então que começamos a perceber que o mundo é mais que só a realidade. Ele também é sonho, ele é destreza da imaginação, ele pode ser belo até mesmo em seus revezes. E tal qual o escritor que encontra a chave de sua ficção, o personagem se deixa levar pelos elementos que o cercam,; tal qual o leitor que não encontra barreiras para a paixão que encontra na vida alheia a que tem acesso nas páginas que consome vorazmente, o viajante percebe que não há amarras que o prendam, não há convenções que o cerceiem, não há jugos que o submetam. Escrever, ler e viajar são sinônimos de viver. Na obra de Saramago, esses verbos são um só.
Muito se fala de seu livro mais polêmico e não é para menos. O Evangelho Segundo Jesus Cristo foi boicotado em Portugal e vendeu mais de 300 mil exemplares no Brasil. O autor se sentiu devedor de tanto carinho e elegeu a ex-colônia de sua terra natal como "uma segunda casa". As circunstâncias que cercam o romance fazem-no mais famoso, mas eclipsam o que ele tem de melhor. Ele e muitos outros livros de Saramago. Seus livros, em diversos gêneros, trazem gravado o signo da genialidade. As polêmicas são secundárias, frutos de maus leitores.
As parábolas e as metáforas de Saramago não são deste plano, comformem-se os materialistas! Isso está implícito na construção textual ambivalente, na sutileza de sentidos disfarçados, na crítica realizada com elegância e contundência. Ele fez Jesus perder a virgindade em uma noite de amor com Maria Madalena, em que o prazer e não o instinto de reprodução guia os dois amantes. Ele imaginou a morte fazendo greve! Ele falou de um Portugal mítico e verossímil, de gente de hábitos anacrônicos e situações reveladoras de injustiças.
Analisar o capitalismo à luz de um mito platônico, transformar a cegueira em colírio que ajuda a ver melhor a alma humana, tomar um heterônimo de Fernando Pessoa para representar sentimentos tão familiares a todos nós foram algumas das estripulias do escritor. Saramago sabia exatamente a dimensão da literatura, de suas potencialidades, de seus entrechos, de seus descaminhos deliciosamente sinuosos. Tanto sabia que explorava cada desvão, reinventando, relendo, refazendo tudo e todos. Aos que não conhecem essa prática: muito prazer, eis a criação literária!
Sorte nossa que Saramago gostava de escrever e nos deixou 30 obras, além de alguma coisa inédita que possivelmente ainda deve ser publicada. Sua produção é uma piscina em que podemos mergulhar de ponto, pois é profunda. E que delícia é se afogar numa prosa tão inquieta e instigante, tão provocadora e doce, tão destemida e cândida. Magicamente esquizofrênica, sua literatura há muito tempo se transformou em marco. Uma referência inescapável para quem deseja escrever, para quem deseja ler, para quem deseja viajar.
Texto publicado no jornal O Popular de 19 de junho (sábado),
na cobertura da morte do autor português José Saramago
quinta-feira, 17 de junho de 2010
Leituras e riso
"Quem não saber rir não deve ser levado a sério"
Essa frase é do escritor austríaco Thomas Bernhard (foto), um dos maiores romancistas do século 20. Grande ensinamento. E pensar que essa dica vem de um autor que, à primeira vista, parece um prosador insípido, árido. Ele é um autor difícil. No romance O Náufrago, Bernhard mostra toda a sua perícia em dizer algo muito mais do que está escrito. E é nas entrelinhas que está seu humor, sua visão particular e incompreendida do mundo. Há os lampejos de clareza, como essa frase, mas no geral é necessário saber interpretar seu texto, não se deixar levar pelo que é dito e sim procurar o que se quis dizer.
Cada vez mais estou convencido de que as pessoas deveriam ler mais ficção para entender melhor a realidade. Se as pessoas lessem mais autores como Thomas Bernhard, seriam, com certeza, mais tolerantes, menos encharcadas de ódio e mais partidárias da fantasia. A literatura não quer e não tem a obrigação de resolver nada, mas que ela facilita a reflexão mais serena, ah, isso ela faz. E o humor, mesmo em enredos em que prosperam a desesperança e a descrença, está lá, talvez até melhor do que em manifestações mais explícitas.
Thomas Bernhard é apenas um dos muitos e muitos autores que nos dão ensinamentos nesse sentido. Como ele há José Saramago, Thomas Mann, António Lobo Antunes, Mario Vargas Llosa, Alan Pauls, William Faulkner. Lendo esses caras, fica mais fácil rir. Mesmo porque fica difícil rir ou chorar se não se entende o que é lido, o que é dito, o que é mostrado.
quinta-feira, 10 de junho de 2010
quarta-feira, 2 de junho de 2010
Dica
Não deixem de ver o filme argentino O Segredo de Seus Olhos (agora só no DVD).
Não é à toa que faturou o Oscar de filme estrangeiro este ano.
Enredo maravilhoso, fotografia esplêndida e interpretações irretocáveis.
Um bálsamo.
Não é à toa que faturou o Oscar de filme estrangeiro este ano.
Enredo maravilhoso, fotografia esplêndida e interpretações irretocáveis.
Um bálsamo.
segunda-feira, 24 de maio de 2010
Férias
Dez coisas para se fazer nas férias?
1. Viajar à Cidade Maravilhosa
2. Reencontrar amigos queridos
3. Promover a comemoração de conquistas de amigos queridos
4. Conhecer Brigite Bardot em Búzios
5. Estudar
6. Retomar a tese para valer
7. Reformar a carteira de motorista
8. Ler o jornal apenas superficialmente
9. Comemorar os 96 anos do avô
10. Dormir de tarde
1. Viajar à Cidade Maravilhosa
2. Reencontrar amigos queridos
3. Promover a comemoração de conquistas de amigos queridos
4. Conhecer Brigite Bardot em Búzios
5. Estudar
6. Retomar a tese para valer
7. Reformar a carteira de motorista
8. Ler o jornal apenas superficialmente
9. Comemorar os 96 anos do avô
10. Dormir de tarde
quinta-feira, 29 de abril de 2010
Oração dos panetones
Crônica publicada em O Popular no auge do escândalo do governo Arruda, em Brasília, inspirada na cena dos acusados rezando e agradecendo a propina, mostrada na Rede Globo
Em um gabinete escuso de Brasília – será que lá tem algum gabinete que não seja escuso? –, um grupo de engravatos se reúne para orar e agradecer as dádivas de Deus.
Meu senhor todo poderoso, sabemos que somos imperfeitos, meu Deus, e por isso agradecemos sua ajuda nesta tramoia dos infernos que acabamos de realizar neste escritório. Pedimos sua bênção, meu Senhor, para que outras propinas apareçam em nosso caminho, iluminando nossa saga rumo à luz, já que a próxima concorrência envolve a estatal de energia e pegar uns 20% de comissão por lá seria muito bom, Meu Deus.
Agradecemos por não nos desviar de nosso caminho, que dá direto nos cofres públicos, onde assaltamos o dinheiro pago por seus filhos, meu Senhor, aqueles filhos que não têm atendimento médico decente nos postos de saúde, que não têm escolas e creches de boa qualidade, que não contam com segurança pública e não têm muita esperança nesta vida, meu Deus. Pedimos por estas almas. Pedimos que elas continuem a votar naqueles que as achacam e que nos ajudam a enriquecer ilicitamente, que permaneçam acreditando nas promessas falsas, nas mentiras que nossos homens públicos, meu Deus, nossos, e só nossos, representantes dizem a eles todos os dias.
Agradecemos a graça desta comissão de 30% para o governador, meu Deus, e mais 30% para o vice-governador, meu Deus, e mais 20% para o assessor de imprensa meu Deus, e que nunca falte pão e verba pública nesta mesa onde nos refestelamos em maracutaiais e sujeiras, que não se ausente o vinho importado de nossas recepções vips, regadas a falta de escrúpulos e indecências. Oh, meu Senhor, que sua mão abençoe este dinheiro imundo que conseguimos fraudando concorrências, extorquindo empresários, tirando dos mais pobres.
Que o Senhor nos proteja de nossos inimigos. Que a Polícia Federal e o Ministério Público, obras e braços de Satanás, jamais nos alcancem. Que estejamos livres de escutas telefônicas e câmeras escondidas, que nossas contas no exterior jamais sejam encontradas, que nossas declarações fictícias de renda nunca caiam na malha fina, que se afastem de nós a Receita Federal e os promotores de Justiça. Livre-nos, meu Deus, de operações policiais com nomes estranhos, que nos poupe de algemas nos pulsos e blusões cobrindo nossas cabeças nos momentos das prisões. Oh, meu Deus, que nos salve de inquéritos e denúncias, que nos exima de qualquer culpa e que sempre nos dê um bode expiatório para que possamos estar libertos e voltar a assaltar o Erário.
Mas se o Senhor Meu Deus achar por bem nos testar, e se aparecermos no Jornal Nacional escondendo propina nas meias e na cueca, que nos mande, Oh Senhor, bons advogados, homens prontos a distorcer os fatos e a nos amaciar as punições. Que nos envie, oh Meu Deus, muitos habeas corpus para que não mofemos na cadeia como delinquentes desclassificados, gente sem berço que passa anos no xilindró por roubar bem menos que nós. Meu Senhor, que estes advogados sejam amorais o suficiente para cooptar e ameaçar testemunhas e que tenham livre trânsito no Supremo Tribunal Federal para que decisões que nos favoreçam não tardem a sair.
Oh, meu Deus, agradecemos ao senhor por nos permitir roubar tanto, por nos dar a chance de ficar milionários, por nos possibilitar gastar o dinheiro dos pobres em mansões no Lago Sul, em Miami, em férias na Europa, em roupas e joias caras, em cavalos de raça e carros importados. Nas nossas Mercedez, Porsches e Ferraris, meu Deus, já pregamos adesivos: Foi Deus quem me deu. Só não informamos que o governador, o vice e o tesoureiro da campanha também ajudaram no presente divino.
Com esta oração, meu Senhor, queremos demonstrar nossa gratidão por viver em um País como o Brasil, onde políticos corruptos não são devidamente punidos, onde gente com dinheiro não fica muito tempo na cadeia, onde a impunidade impera nas altas rodas.
Agora, vamos cantar em seu louvor:
“Deus está aqui, aleuluia. Tão certo como os meus 20%, aleluia. Tão certo como o caixa 2 da campaaaanha. Tão certo como eu posso roubar e ninguém vai me punir.”
terça-feira, 27 de abril de 2010
Mais Top Five
Top Five (Dos que tive o prazer de entrevistar)
1. Ariano Suassuna
Pela grandeza de sua gentileza
2. Ana Miranda e Zuenir Ventura
Pelo bacalhau delicioso que comemos durante nossa saborosa conversa
3. Lygia Fagundes Teles
Por ser uma dama e ter me chamado de "meu amor"
4. Moacyr Scliar
Por não ter estrelismo e pela atenção ilustrada em um livro presenteado
5. Adriana Falcão
Pelo bom humor e por ter me revelado a inspiração para o Agostinho, da Grande Família
Top Five (Momentos da carreira)
1. A viagem ao Parque Nacional Grande Sertão Veredas (MG)
Por ter visto Guimarães Rosa andando por lá
2. A matéria sobre a estrada entre Goiânia e Brasília
Por ter conhecido quem está à margem
3. Entrevista com Fernando Henrique no Palácio do Planalto
Por sentir que estava testemunhando um pouquinho da história
4. As duas coletivas com Lula, antes de ele ser presidente
Por sentir que estava testemunhando um pouquinho da história
5. O encontro com Tom Wolfe na Bienal do Livro do Rio de Janeiro
Pelo autógrafo dado e por me certificar que ele existe
Top Five (Das grandes reportagens - não entram as dos amigos)
1. Sobre as vendedoras do Avon (Dorrit Harazin - Revista Veja)
Pela genialidade da pauta
2. Sobre o preconceito dos alemães em relação aos turcos (William Waack - Revista Veja)
Pelo grande domínio da linguagem
3. Sobre pedofilia (Délis Ortiz - Rede Globo)
Pela maneira precisa de abordar tema tão complicado
4. Sobre a construção da ponte Verrazano-Narrows (Gay Talese - livro Fama e Anonimato)
Pela persistência na notícia
5. Sobre as religiões no Rio de Janeiro (João do Rio - livro Religiões no Rio)
Por um jornalismo gonzo que não compromete o resultado da reportagem
1. Ariano Suassuna
Pela grandeza de sua gentileza
2. Ana Miranda e Zuenir Ventura
Pelo bacalhau delicioso que comemos durante nossa saborosa conversa
3. Lygia Fagundes Teles
Por ser uma dama e ter me chamado de "meu amor"
4. Moacyr Scliar
Por não ter estrelismo e pela atenção ilustrada em um livro presenteado
5. Adriana Falcão
Pelo bom humor e por ter me revelado a inspiração para o Agostinho, da Grande Família
Top Five (Momentos da carreira)
1. A viagem ao Parque Nacional Grande Sertão Veredas (MG)
Por ter visto Guimarães Rosa andando por lá
2. A matéria sobre a estrada entre Goiânia e Brasília
Por ter conhecido quem está à margem
3. Entrevista com Fernando Henrique no Palácio do Planalto
Por sentir que estava testemunhando um pouquinho da história
4. As duas coletivas com Lula, antes de ele ser presidente
Por sentir que estava testemunhando um pouquinho da história
5. O encontro com Tom Wolfe na Bienal do Livro do Rio de Janeiro
Pelo autógrafo dado e por me certificar que ele existe
Top Five (Das grandes reportagens - não entram as dos amigos)
1. Sobre as vendedoras do Avon (Dorrit Harazin - Revista Veja)
Pela genialidade da pauta
2. Sobre o preconceito dos alemães em relação aos turcos (William Waack - Revista Veja)
Pelo grande domínio da linguagem
3. Sobre pedofilia (Délis Ortiz - Rede Globo)
Pela maneira precisa de abordar tema tão complicado
4. Sobre a construção da ponte Verrazano-Narrows (Gay Talese - livro Fama e Anonimato)
Pela persistência na notícia
5. Sobre as religiões no Rio de Janeiro (João do Rio - livro Religiões no Rio)
Por um jornalismo gonzo que não compromete o resultado da reportagem
quarta-feira, 21 de abril de 2010
Top Five
A gente tem uma tendência danada a classificar tudo em listas. Pois aí vão algumas das minhas.
Top Five (Livros)
1. Grande Sertão: Veredas (Guimarães Rosa)
Pela poesia em forma de sertão
2. Dom Casmurro (Machado de Assis)
Pela dúvida que nunca cessa
3. Os Irmãos Karamazov (Fiodor Dostoiévski)
Pela engenhosidade genial do enredo
4. Os Miseráveis (Victor Hugo)
Pelo mergulho na alma humana
5. Cem Anos de Solidão (Gabriel García Márquez)
Pela subversão da realidade e das coisas do mundo
Top Five (Compositores)
1. Chico Buarque
Por encontrar sempre a palavra certa
2. Gilberto Gil
Pela originalidade infindável
3. Renato Russo
Por dizer as coisas que a gente quer dizer
4. Cazuza
Pelo romantismo sem melaço
5. Jackson do Pandeiro
Pelo ritmo e pela malemolência
Top Five (Atuações)
1. Fernanda Montenegro (Central do Brasil)
Por simplesmente estar perfeita
2. Al Pacino (Perfume de Mulher)
Pelo tango bem dançado
3. Paulo Autran (Terra em Transe)
Pelo libelo que fala muito do Brasil
4. Christoph Waltz (Bastardos Inglórios)
Pelo detalhe de cada gesto
5. Robert DeNiro (Os Intocáveis)
Por um Al Capone inesquecível
Top Five (Livros)
1. Grande Sertão: Veredas (Guimarães Rosa)
Pela poesia em forma de sertão
2. Dom Casmurro (Machado de Assis)
Pela dúvida que nunca cessa
3. Os Irmãos Karamazov (Fiodor Dostoiévski)
Pela engenhosidade genial do enredo
4. Os Miseráveis (Victor Hugo)
Pelo mergulho na alma humana
5. Cem Anos de Solidão (Gabriel García Márquez)
Pela subversão da realidade e das coisas do mundo
Top Five (Compositores)
1. Chico Buarque
Por encontrar sempre a palavra certa
2. Gilberto Gil
Pela originalidade infindável
3. Renato Russo
Por dizer as coisas que a gente quer dizer
4. Cazuza
Pelo romantismo sem melaço
5. Jackson do Pandeiro
Pelo ritmo e pela malemolência
Top Five (Atuações)
1. Fernanda Montenegro (Central do Brasil)
Por simplesmente estar perfeita
2. Al Pacino (Perfume de Mulher)
Pelo tango bem dançado
3. Paulo Autran (Terra em Transe)
Pelo libelo que fala muito do Brasil
4. Christoph Waltz (Bastardos Inglórios)
Pelo detalhe de cada gesto
5. Robert DeNiro (Os Intocáveis)
Por um Al Capone inesquecível
sexta-feira, 16 de abril de 2010
quinta-feira, 15 de abril de 2010
Esclarecimentos sobre o Amapá
Uma crônica de minha autoria publicada em O POPULAR no dia 7 de abril gerou polêmica no Amapá, estado aludido no texto. Recebi, em meu e-mail pessoal, e também por meio de comentários em meu blog, diversas reações iradas ao trabalho, tachando-o de desinformado, ignorante e preconceituoso. Muitas dessas manifestações referiam-se à crônica como uma matéria jornalística ou um artigo de opinião.Quero, portanto, prestar os devidos esclarecimentos não só aos leitores deste jornal, como também à população amapaense que se sentiu ofendida.
Em primeiro lugar, gostaria de dizer que nunca houve a intenção de atacar o povo do Amapá. Na crônica, quando “é posta em dúvida” a existência do Estado, obviamente que se tratava de uma afirmação fantasiosa, uma vez que é impensável alguém dizer, seriamente, que determinada unidade da nação não existe. Seria o negar o óbvio ou defender que o mar não é salgado ou que o Sol gira em torno da Terra. Quem quer que diga que o Amapá não existe, mesmo em uma conversa informal, só pode estar brincando com seu interlocutor. Pelo menos é assim que eu encararia se alguém me dissesse ou escrevesse que Goiás não existe.
Ao dizer, logo no início do texto, que “duvidava” da existência do Amapá, faço automaticamente o convite ao leitor para sair, em alguma medida, da realidade. O absurdo da afirmação suspende os planos da lógica no restante da leitura. Esta, aliás, é a dinâmica da crônica, gênero híbrido que mistura o real e o ficcional em uma narrativa que foge dos parâmetros tradicionais do jornalismo. Como um texto que mistura discursos, a crônica busca referências na realidade para, justamente, subvertê-las de alguma maneira ou então supreender seus leitores com o elemento inesperado, da ironia e da fantasia. Isso não ocorre, por exemplo, em reportagens e artigos de opinião, restritos que estão à busca do relato da realidade palpável.
Ao tomar o Amapá como tema de meu texto, o objetivo não era denegrir o Estado e sim ironizar, a partir dele, mazelas que são de todos nós brasileiros, do Rio Grande do Sul ao Amazonas, do Ceará ao Acre, de São Paulo a Goiás. Quando digo que os escândalos políticos não existem no Amapá, estou salientando exatamente o contrário, que eles existem em toda parte, indiscriminadamente, tanto que cito um político que tem se envolvido em vários deles nos últimos tempos. Quando falo da goleada do Goiás sobre o São José, estou, na verdade, pegando no pé do time goiano, que tem dificuldade em vencer seus adversários regionais, numa provocação caseira.
Quando se publica um texto, a reação do leitor é legítima, desde que dentro dos parâmetros mínimos de civilidade. Entre os muitos comentários recebidos, vários são críticas pertinentes, que precisam ser levadas em conta. Aqui faço um mea culpa por ter, mesmo que involuntariamente, atingido a identidade de cidadãos amapaenses e agradeço as mensagens que ressaltam possíveis erros cometidos, pelos quais peço desculpas. Mesmo o gênero crônica, como muitos disseram, não permite excessos e me penitencio por aqueles que tenha cometido.
Há, porém, mensagens – infelizmente em maior número –, que partiram para ataques pessoais, desqualificando a mim e a meu trabalho de forma chula e irresponsável. Entre essas manifestações de desequilíbrio, algumas mencionam até ameaças físicas. Lamento profundamente que tanta gente só encontre o xingamento como o melhor argumento para defender sua terra. Em redes sociais, comentários deram lugar à incitação ao ódio, o que é lamentável, muito mais que qualquer crônica equivocada.
Entendo que a difusão do texto no Amapá como foi feita, sem a devida contextualização, de forma sensacionalista, por meio de um recorte de jornal escaneado que retira todo o contexto da publicação original do texto – que é impresso na página do horóscopo e dos quadrinhos, mostrando seu viés literário – tenha contribuído para a percepção de que se tratava de uma agressão gratuita. Na internet, as pessoas se sentem mais corajosas para ameaçar e ofender. Em muitos dos recados deixados, os autores até admitem que estão escrevendo por comentários ouvidos e não pela leitura do texto em si.
Àqueles que criticaram o texto, agradeço. Àqueles que se sentiram ofendidos pela crônica, peço desculpas. Àqueles que me endereçaram ofensas, não tenho nada a dizer.
P.S.: Este é um artigo de opinião e não uma crônica. Portanto, não há nada fictício aqui.
Uma versão deste artigo será publicada no jornal O Popular
Em primeiro lugar, gostaria de dizer que nunca houve a intenção de atacar o povo do Amapá. Na crônica, quando “é posta em dúvida” a existência do Estado, obviamente que se tratava de uma afirmação fantasiosa, uma vez que é impensável alguém dizer, seriamente, que determinada unidade da nação não existe. Seria o negar o óbvio ou defender que o mar não é salgado ou que o Sol gira em torno da Terra. Quem quer que diga que o Amapá não existe, mesmo em uma conversa informal, só pode estar brincando com seu interlocutor. Pelo menos é assim que eu encararia se alguém me dissesse ou escrevesse que Goiás não existe.
Ao dizer, logo no início do texto, que “duvidava” da existência do Amapá, faço automaticamente o convite ao leitor para sair, em alguma medida, da realidade. O absurdo da afirmação suspende os planos da lógica no restante da leitura. Esta, aliás, é a dinâmica da crônica, gênero híbrido que mistura o real e o ficcional em uma narrativa que foge dos parâmetros tradicionais do jornalismo. Como um texto que mistura discursos, a crônica busca referências na realidade para, justamente, subvertê-las de alguma maneira ou então supreender seus leitores com o elemento inesperado, da ironia e da fantasia. Isso não ocorre, por exemplo, em reportagens e artigos de opinião, restritos que estão à busca do relato da realidade palpável.
Ao tomar o Amapá como tema de meu texto, o objetivo não era denegrir o Estado e sim ironizar, a partir dele, mazelas que são de todos nós brasileiros, do Rio Grande do Sul ao Amazonas, do Ceará ao Acre, de São Paulo a Goiás. Quando digo que os escândalos políticos não existem no Amapá, estou salientando exatamente o contrário, que eles existem em toda parte, indiscriminadamente, tanto que cito um político que tem se envolvido em vários deles nos últimos tempos. Quando falo da goleada do Goiás sobre o São José, estou, na verdade, pegando no pé do time goiano, que tem dificuldade em vencer seus adversários regionais, numa provocação caseira.
Quando se publica um texto, a reação do leitor é legítima, desde que dentro dos parâmetros mínimos de civilidade. Entre os muitos comentários recebidos, vários são críticas pertinentes, que precisam ser levadas em conta. Aqui faço um mea culpa por ter, mesmo que involuntariamente, atingido a identidade de cidadãos amapaenses e agradeço as mensagens que ressaltam possíveis erros cometidos, pelos quais peço desculpas. Mesmo o gênero crônica, como muitos disseram, não permite excessos e me penitencio por aqueles que tenha cometido.
Há, porém, mensagens – infelizmente em maior número –, que partiram para ataques pessoais, desqualificando a mim e a meu trabalho de forma chula e irresponsável. Entre essas manifestações de desequilíbrio, algumas mencionam até ameaças físicas. Lamento profundamente que tanta gente só encontre o xingamento como o melhor argumento para defender sua terra. Em redes sociais, comentários deram lugar à incitação ao ódio, o que é lamentável, muito mais que qualquer crônica equivocada.
Entendo que a difusão do texto no Amapá como foi feita, sem a devida contextualização, de forma sensacionalista, por meio de um recorte de jornal escaneado que retira todo o contexto da publicação original do texto – que é impresso na página do horóscopo e dos quadrinhos, mostrando seu viés literário – tenha contribuído para a percepção de que se tratava de uma agressão gratuita. Na internet, as pessoas se sentem mais corajosas para ameaçar e ofender. Em muitos dos recados deixados, os autores até admitem que estão escrevendo por comentários ouvidos e não pela leitura do texto em si.
Àqueles que criticaram o texto, agradeço. Àqueles que se sentiram ofendidos pela crônica, peço desculpas. Àqueles que me endereçaram ofensas, não tenho nada a dizer.
P.S.: Este é um artigo de opinião e não uma crônica. Portanto, não há nada fictício aqui.
Uma versão deste artigo será publicada no jornal O Popular
quarta-feira, 14 de abril de 2010
A Carta Roubada
A Carta Roubada é o título de um conto do escritor Edgar Allan Poe, narrativa que inaugura a moderna literatura policial. No enredo, uma carta é surrupiada e escondida onde ninguém a encontra: no porta-cartas. A moral é que o que procuramos pode estar na frente do nosso nariz, no lugar mais óbvio, e ainda assim não conseguirmos perceber. Os detetives da ficção sabem disso e acham os culpados a partir do que é evidente.
Ficção é uma coisa, vida real é outra. Para quem conhece o conto de Poe, porém, é inevitável relacioná-lo com a ação do serial killer de Luziânia, que matou brutalmente seis jovens. No caso de Poe, transparece a genialidade do autor. No caso de Luziânia, esse argumento não pode ser empregado. O assassino confesso não tem QI acima da média, não é um mestre do ardil, não é um homicida refinado. É um homem que parece ter agido por impulso, não se preocupando em se desfazer das provas que o levaram à prisão. Ele agiu em sua vizinhança apenas uma semana depois de sair da cadeia por violentar menores. Não fugiu da cena de seus delitos, deu o celular de uma das vítimas às irmãs.
Por quê a prisão demorou tanto? Pelo que sei – de conversas com experientes policiais e investigadores – o primeiro passo para se elucidar um crime é encontrar seus padrões. Neste caso, eles eram as características das vítimas (adolescentes do sexo masculino) e o fato de os desaparecidos morarem no mesmo bairro. Não seria mais ou menos óbvio que a vizinhança fosse investigada? Não teria sido básico fazer um levantamento, saber se alguém estranho havia chegado ao setor naquele período? Desta forma, não seria grande a chance de um homem com o perfil de Adimar ser um suspeito? Ou será que essa investigação básica não foi feita desde o início, já que rapazes pobres desaparecem todo santo dia na região?
Este episódio necessita ser melhor explicado do ponto de vista da Justiça, da psiquiatria forense e da polícia, que demorou muito para pegar um assassino que morava próximo às vítimas, tinha antecedentes conhecidos e usou uma bicicleta em seus crimes. Se um homem com esse perfil consegue cometer seis homicídios sem ser capturado, o que esperar se um psicopata mais esperto e com mais recursos começar a agir?
Ficção é uma coisa, vida real é outra. Para quem conhece o conto de Poe, porém, é inevitável relacioná-lo com a ação do serial killer de Luziânia, que matou brutalmente seis jovens. No caso de Poe, transparece a genialidade do autor. No caso de Luziânia, esse argumento não pode ser empregado. O assassino confesso não tem QI acima da média, não é um mestre do ardil, não é um homicida refinado. É um homem que parece ter agido por impulso, não se preocupando em se desfazer das provas que o levaram à prisão. Ele agiu em sua vizinhança apenas uma semana depois de sair da cadeia por violentar menores. Não fugiu da cena de seus delitos, deu o celular de uma das vítimas às irmãs.
Por quê a prisão demorou tanto? Pelo que sei – de conversas com experientes policiais e investigadores – o primeiro passo para se elucidar um crime é encontrar seus padrões. Neste caso, eles eram as características das vítimas (adolescentes do sexo masculino) e o fato de os desaparecidos morarem no mesmo bairro. Não seria mais ou menos óbvio que a vizinhança fosse investigada? Não teria sido básico fazer um levantamento, saber se alguém estranho havia chegado ao setor naquele período? Desta forma, não seria grande a chance de um homem com o perfil de Adimar ser um suspeito? Ou será que essa investigação básica não foi feita desde o início, já que rapazes pobres desaparecem todo santo dia na região?
Este episódio necessita ser melhor explicado do ponto de vista da Justiça, da psiquiatria forense e da polícia, que demorou muito para pegar um assassino que morava próximo às vítimas, tinha antecedentes conhecidos e usou uma bicicleta em seus crimes. Se um homem com esse perfil consegue cometer seis homicídios sem ser capturado, o que esperar se um psicopata mais esperto e com mais recursos começar a agir?
Artigo publicado no jornal O Popular, em 14/04/2010
terça-feira, 13 de abril de 2010
Crônicas e reações
Desde que me tornei cronista, redigi alguns textos que geraram reações. Algumas positivas, outras negativas. Isso é normal, faz parte do jogo. Quem publica, se presta à avaliação do público, o que é salutar.
O lamentável, às vezes, é que esse julgamento se dá em parâmetros equivocados. Foi isso o que ocorreu com meu mais recente texto, uma crônica em que coloco em dúvida a existência do Amapá. Recebi e-mails, fui "elogiosamente" referido no twitter e também neste blog por cidadãos do Amapá indignados com minha "ignorância", meu "desrespeito" e minha "burrice".
Comentários normais, não fosse o fato de o texto ter sido lido, em quase 100% do que comentaram, de forma totalmente equivocada. Acharam que a crônica era artigo de opinião, reportagem jornalística ou coisa que o valha. Equívoco, e dos grandes.
Crônica é o resquício de literatura nos jornais e, portanto, não tem o compromisso com a verdade dos fatos como deve ter as matérias jornalísticas. A crônica também não exprime necessariamente a opinião de quem a escreveu, já que não se trata de um artigo. É um texto de ficção, que pode falar de atualidades e e se basear em fatos reais, ou não.
Já fiz crônicas em que ameaçava matar pinchers a pisadas. Matei algum? Claro que não. Já inventei uma personagem, a Dona Iraci, que é uma velha fofoqueira e maledicente. Ela existe. Não. Já falei sobre as mais diversas bobagens, ironizando ou brincando com questões que mexem com o imaginário coletivo. Penso tudo o que escrevi? Claro que não.
Com o Amapá ocorre a mesma dinâmica. Claro que sei que o Amapá existe. Ainda não estou esclerosado. Claro que eu conheço pessoas do Amapá. Tirei sarro delas. Claro que sei o que é ser discriminado. Goiás também é. Aliás, muitos dos comentários, esses nada cronísticos e sim raivosos e descontrolados, demonstraram os preconceitos das pessoas em relação a Goiás.
Quando se escreve uma crônica, com a liberdade de criação que ela permite, imaginamos que os leitores também terão a abstração do autor, entrarão em um mundo possível, mas não real. Literatura, não importa de que qualidade seja, aposta nesse acordo tácito. Machado não morreu para escrever Memórias Póstumas com seu "narrador defunto". Guimarães Rosa não se tornou um jagunço para poder criar as histórias de Riobaldo em Grande Sertão: Veredas. E mesmo Flaubert, que declarou que "Madame Bovary c'est moi" não era, ele próprio, uma esposa adúltera.
Aos mais ofendidos pela crônica, não peço desculpas: peço mais abstração. Na crônica, que tem espaço reservado no jornal, com anúncio em letras garrafais, no suplemento de cultura, para que não paire dúvidas a respeito de sua natureza, é necessário imaginar e não se ater ao pé da letra do texto.
Passo a moderar os comentários neste blog porque minha mãe não tem nada a ver com os que leram errado minha CRÔNICA.
Abraço aos seguidores deste blog.
OBS: Ah, e para que não pairem dúvidas, sei que o Amapá existe sim. Sei há muito tempo, muito antes do Google, que me foi tão singelamente indicado por muitos.
O lamentável, às vezes, é que esse julgamento se dá em parâmetros equivocados. Foi isso o que ocorreu com meu mais recente texto, uma crônica em que coloco em dúvida a existência do Amapá. Recebi e-mails, fui "elogiosamente" referido no twitter e também neste blog por cidadãos do Amapá indignados com minha "ignorância", meu "desrespeito" e minha "burrice".
Comentários normais, não fosse o fato de o texto ter sido lido, em quase 100% do que comentaram, de forma totalmente equivocada. Acharam que a crônica era artigo de opinião, reportagem jornalística ou coisa que o valha. Equívoco, e dos grandes.
Crônica é o resquício de literatura nos jornais e, portanto, não tem o compromisso com a verdade dos fatos como deve ter as matérias jornalísticas. A crônica também não exprime necessariamente a opinião de quem a escreveu, já que não se trata de um artigo. É um texto de ficção, que pode falar de atualidades e e se basear em fatos reais, ou não.
Já fiz crônicas em que ameaçava matar pinchers a pisadas. Matei algum? Claro que não. Já inventei uma personagem, a Dona Iraci, que é uma velha fofoqueira e maledicente. Ela existe. Não. Já falei sobre as mais diversas bobagens, ironizando ou brincando com questões que mexem com o imaginário coletivo. Penso tudo o que escrevi? Claro que não.
Com o Amapá ocorre a mesma dinâmica. Claro que sei que o Amapá existe. Ainda não estou esclerosado. Claro que eu conheço pessoas do Amapá. Tirei sarro delas. Claro que sei o que é ser discriminado. Goiás também é. Aliás, muitos dos comentários, esses nada cronísticos e sim raivosos e descontrolados, demonstraram os preconceitos das pessoas em relação a Goiás.
Quando se escreve uma crônica, com a liberdade de criação que ela permite, imaginamos que os leitores também terão a abstração do autor, entrarão em um mundo possível, mas não real. Literatura, não importa de que qualidade seja, aposta nesse acordo tácito. Machado não morreu para escrever Memórias Póstumas com seu "narrador defunto". Guimarães Rosa não se tornou um jagunço para poder criar as histórias de Riobaldo em Grande Sertão: Veredas. E mesmo Flaubert, que declarou que "Madame Bovary c'est moi" não era, ele próprio, uma esposa adúltera.
Aos mais ofendidos pela crônica, não peço desculpas: peço mais abstração. Na crônica, que tem espaço reservado no jornal, com anúncio em letras garrafais, no suplemento de cultura, para que não paire dúvidas a respeito de sua natureza, é necessário imaginar e não se ater ao pé da letra do texto.
Passo a moderar os comentários neste blog porque minha mãe não tem nada a ver com os que leram errado minha CRÔNICA.
Abraço aos seguidores deste blog.
OBS: Ah, e para que não pairem dúvidas, sei que o Amapá existe sim. Sei há muito tempo, muito antes do Google, que me foi tão singelamente indicado por muitos.
quarta-feira, 17 de março de 2010
És responsável
Vou citar aqui uma frase clássica de O Pequeno Príncipe, de Saint-Exupéry:
"És responsável pelo que cativas".
Esse livro, injustamente ligado às misses, é uma aula de vivência. Não que tenhamos de criar mundos, pequenos planetas, com vulcões e rosas. É exatamente o contrário disso. O Pequeno Príncipe vivia a sua vida, como nós devemos viver a nossa.
Tive a crise dos 30 e agora, aos 33, já me sinto mais à vontade para analisar algumas coisas que nos fazem amadurecer. Ao me tornar balzaqueano, tenho a impressão de ter cruzado um limiar, em que o faz-de-conta ficou definitivamente para trás e em que as conquistas e as perdas vão se tornando mais definitivas.
Depois que completei os 30, passei por algumas experiências estranhas, fabulosas e tristes.
Viajei ao Havaí e à Europa, comprei meu apartamento, me tornei doutorando na UnB, me vi como professor de verdade, tomei decisões drásticas em meu trabalho, fui morar sozinho, publiquei um livro, adquiri meu primeiro carro zero. Conquistas materiais que fazem a auto-estima melhorar e são alentos em um cotidiano em que são tantas as derrotas.
Tudo isso foi muito bom, mas o ato de crescer trouxe, em contrapartida, questões difíceis de encarar. O faz-de-conta acabou mesmo. As amizades que tinham de se solidificar, se solidificaram. As que não tinham, não. Percebi que é pretensioso querer agradar a todos e acreditar que todos gostam de você. Ou que ao menos lhe respeitam. Isso não é verdade. E a culpa também é sua, como deve ser sempre. "És responsável pelo que cativas."
Depois dos 30, tive muitos momentos de sentimentos contraditórios, de sensações incômodas. Depois dos 30 amadureci um pouquinho, mas o suficiente para perceber que há em mim um pouco de cada coisa. Sempre digo a mim mesmo que venho me tornando uma pessoa pior, mas talvez eu apenas esteja ficando mais esclarecido sobre quem, de fato, sou. E isso com a ajuda dos amigos e também dos desafetos.
Antes dos 30, pensava nunca ter sentido inveja. Mentira. A inveja nos acompanha a vida toda. A diferença é que quando se vai ficando mais velho, ela fica curtida e estoura em uma expressão que não gostaria de estampar no rosto, em um pensamento mesquinho que não deveria ter. A inveja é onipresente, como já disse Zuenir Ventura. E ela pulula, adubada pela vaidade, a alheia e a nossa, combinadas.
Antes dos 30, pensava em ganhar o mundo. Ainda penso, mas sei que não será mais o rapaz inocente que poderá fazer isso e sim o homem com suas cicatrizes, seus pesos-extra.
Antes dos 30, acreditava que poderia superar tudo. Não se pode superar aquilo que o atinge mais fundo. Não se pode superar certas frustrações, certos equívocos, alguns desprezos e muitas ofensas. Não se pode deixar de ter algum tipo de rancor depois dos 30, porque o perdão completo, aquele incondicional, faz parte de um outro mundo, talvez o do Pequeno Príncipe.
"És responsável pelo que cativas." Sei que tenho o mérito de ter os amigos maravilhosos que tenho e sei que compartilho a culpa de não ter conquistado muitas das pessoas que gostaria. Sei que alimento, à minha maneira, o ódio e o fel que certas pessoas sentem por mim. Sei que não passo incólume a raivas, a trairagens. Não há gente apenas boa, não gente apenas ruim. Há apenas gente. Gente como a gente.
Tenho de lidar com isso, à minha maneira torta e limitada. Tenho de ser quem me construo. O faz-de-conta acabou.
quinta-feira, 11 de março de 2010
Até onde vai sua liberdade?
Você é livre?
Você é livre para escrever o que quer, onde quer, quando quer?
Você é livre para ler o que quer, saborear apenas seus autores preferidos, seus gostos particulares?
Você é livre para dizer o que pensa, para expressar seus sentimentos mais profundos?
Você é livre para definir seus horários, para selecionar seus compromissos, para escolher aonde quer ir, o que fazer, o que quer deixar para lá?
Você é livre para criticar seus amigos sem o risco de que eles deixem de ser seus amigos, para ter uma conversa franca com todos à sua volta, para debater ideias sem que a discussão não se torne uma guerra campal, com ofensas pessoais?
Você é livre para levar adiante seus projetos mais caros, para planejar todos os seus finais de semana?
Você é livre da opinião alheia, do olhar indagador do vizinho ou do colega de trabalho, da censura familiar e dos amigos?
Você é livre para tomar banho de chuva, para cantar em voz alta no banheiro, para andar pelado em casa, para colocar o pé na terra, para se balançar em uma rede em tardes preguiçosas?
Você é livre para não ligar com que "os outros vão dizer" sobre sua vida e seu comportamento?
Você é livre para realizar suas fantasias, para dar vazão aos seus desejos, para não ter remorsos?
Você é livre?
Eu não.
Você é livre para escrever o que quer, onde quer, quando quer?
Você é livre para ler o que quer, saborear apenas seus autores preferidos, seus gostos particulares?
Você é livre para dizer o que pensa, para expressar seus sentimentos mais profundos?
Você é livre para definir seus horários, para selecionar seus compromissos, para escolher aonde quer ir, o que fazer, o que quer deixar para lá?
Você é livre para criticar seus amigos sem o risco de que eles deixem de ser seus amigos, para ter uma conversa franca com todos à sua volta, para debater ideias sem que a discussão não se torne uma guerra campal, com ofensas pessoais?
Você é livre para levar adiante seus projetos mais caros, para planejar todos os seus finais de semana?
Você é livre da opinião alheia, do olhar indagador do vizinho ou do colega de trabalho, da censura familiar e dos amigos?
Você é livre para tomar banho de chuva, para cantar em voz alta no banheiro, para andar pelado em casa, para colocar o pé na terra, para se balançar em uma rede em tardes preguiçosas?
Você é livre para não ligar com que "os outros vão dizer" sobre sua vida e seu comportamento?
Você é livre para realizar suas fantasias, para dar vazão aos seus desejos, para não ter remorsos?
Você é livre?
Eu não.
quinta-feira, 4 de março de 2010
sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010
Diariamente
Com a inspiração de Nando Reis...
Para calar a boca: Declamação
Para lavar a roupa: Tom Wolfe
Para viagem longa: Odisseia
Para difíceis contas: Fernando Pessoa
Para o pneu na lona: João Antônio
Para a pantalona: Luzia Homem
Para pular a onda: Capitães de Areia
Para lápis ter ponta: Drummond
Para o Pará e o Amazonas: Hatoum
Para parar na Pamplona: Hemingway
Para trazer à tona: Júlio Verne
Para a melhor azeitona: Florbela Espanca
Para o presente da noiva: Marília de Dirceu
Para o adidas o conga: Meu Pé de Laranja-Lima
Para o outono a folha: Whitman
Para embaixo da sombra: O Estrangeiro
Para todas as coisas: Poesia
Para que fiquem prontas: Ghost Writer
Para dormir a fronha: Clarice
Para brincar na gangorra: Bentinho e Capitu
Para fazer uma toca: Virgínia Woolf
Para beber uma coca: Crônica
Para ferver uma sopa: Les Miserábles
Para a luz lá na roça: Raduan Nassar
Para vigias em ronda: Grande Irmão
Para limpar a lousa: Sartre
Para o beijo da moça: A Moreninha
Para uma voz muito rouca: Poetinha
Para a cor roxa: Bandeira
Para a galocha: Terra Cambará
Para ser moda: Crepúsculo
Para abrir a rosa: Guimarães
Para aumentar a vitrola: Grande Gatsby
Para a cama de mola: Casa de Pensão
Para trancar bem a porta: Monte Cristo
Para que serve a calota: Kerouac
Para quem não acorda: Príncipe Encantado
Para a letra torta: Velho Graça
Para parecer mais nova: Dorian Gray
Para os dias de prova: O Ateneu
Para estourar a pipoca: Pica-Pau Amarelo
Para quem se afoga: Robson Crusoé
Para levar na escola: O Encontro Marcado
Para os dias de folga: Ócio Criativo
Para o automóvel que capota: Noir
Para fechar uma aposta: Fausto
Para quem se comporta: Fábula
Para a mulher que aborta: Karenina e Bovary
Para saber a resposta: Poirot
Para escolher a compota: Cora
Para a menina que engorda: Metamorfose
Para a comida das orcas: Ahab
Para o telefone que toca
Para a água lá na poça
Para a mesa que vai ser posta
Para você o que você gosta: Literatura
Para calar a boca: Declamação
Para lavar a roupa: Tom Wolfe
Para viagem longa: Odisseia
Para difíceis contas: Fernando Pessoa
Para o pneu na lona: João Antônio
Para a pantalona: Luzia Homem
Para pular a onda: Capitães de Areia
Para lápis ter ponta: Drummond
Para o Pará e o Amazonas: Hatoum
Para parar na Pamplona: Hemingway
Para trazer à tona: Júlio Verne
Para a melhor azeitona: Florbela Espanca
Para o presente da noiva: Marília de Dirceu
Para o adidas o conga: Meu Pé de Laranja-Lima
Para o outono a folha: Whitman
Para embaixo da sombra: O Estrangeiro
Para todas as coisas: Poesia
Para que fiquem prontas: Ghost Writer
Para dormir a fronha: Clarice
Para brincar na gangorra: Bentinho e Capitu
Para fazer uma toca: Virgínia Woolf
Para beber uma coca: Crônica
Para ferver uma sopa: Les Miserábles
Para a luz lá na roça: Raduan Nassar
Para vigias em ronda: Grande Irmão
Para limpar a lousa: Sartre
Para o beijo da moça: A Moreninha
Para uma voz muito rouca: Poetinha
Para a cor roxa: Bandeira
Para a galocha: Terra Cambará
Para ser moda: Crepúsculo
Para abrir a rosa: Guimarães
Para aumentar a vitrola: Grande Gatsby
Para a cama de mola: Casa de Pensão
Para trancar bem a porta: Monte Cristo
Para que serve a calota: Kerouac
Para quem não acorda: Príncipe Encantado
Para a letra torta: Velho Graça
Para parecer mais nova: Dorian Gray
Para os dias de prova: O Ateneu
Para estourar a pipoca: Pica-Pau Amarelo
Para quem se afoga: Robson Crusoé
Para levar na escola: O Encontro Marcado
Para os dias de folga: Ócio Criativo
Para o automóvel que capota: Noir
Para fechar uma aposta: Fausto
Para quem se comporta: Fábula
Para a mulher que aborta: Karenina e Bovary
Para saber a resposta: Poirot
Para escolher a compota: Cora
Para a menina que engorda: Metamorfose
Para a comida das orcas: Ahab
Para o telefone que toca
Para a água lá na poça
Para a mesa que vai ser posta
Para você o que você gosta: Literatura
sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010
segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010
sexta-feira, 22 de janeiro de 2010
21 de janeiro
Um soco no estômago
Uma cadeira vazia
Uma linda trajetória que merecia mais consideração
Alguém que vai fazer uma falta desgraçada
Uma noite mal dormida
Uma pequena manifestação de luto
E a certeza de que precisamos aprender as lições
Principalmente as mais duras
Naqueles dias que a gente não esquece
Uma cadeira vazia
Uma linda trajetória que merecia mais consideração
Alguém que vai fazer uma falta desgraçada
Uma noite mal dormida
Uma pequena manifestação de luto
E a certeza de que precisamos aprender as lições
Principalmente as mais duras
Naqueles dias que a gente não esquece
segunda-feira, 18 de janeiro de 2010
Máquina e homem
Em tempos em que a substituição de gente por máquinas, de sangue por parafusos, de sentimentos por códigos é tão comum, vale a pena relembrar uma canção de Gilberto Gil
O cérebro eletrônico faz tudo
Faz quase tudo
Faz quase tudo
Mas ele é mudo
O cérebro eletrônico comanda
Manda e desmanda
Ele é quem manda
Mas ele não anda
Só eu posso pensar se Deus existe
Só eu
Só eu posso chorar quando estou triste
Só eu
Eu cá com meus botões de carne e osso
Eu falo e ouço
Eu penso e posso
Eu posso decidir
Se vivo ou morro por que
Porque sou vivo
Vivo pra cachorro e sei
Que cérebro eletrônico nenhum me dá socorro
No meu caminho inevitável para a morte
Porque sou vivo
Sou muito vivo e sei
Que a morte é nosso impulso primitivo e sei
Que cérebro eletrônico nenhum me dá socorro
Com seus botões de ferro
E seus olhos de vidro
O cérebro eletrônico faz tudo
Faz quase tudo
Faz quase tudo
Mas ele é mudo
O cérebro eletrônico comanda
Manda e desmanda
Ele é quem manda
Mas ele não anda
Só eu posso pensar se Deus existe
Só eu
Só eu posso chorar quando estou triste
Só eu
Eu cá com meus botões de carne e osso
Eu falo e ouço
Eu penso e posso
Eu posso decidir
Se vivo ou morro por que
Porque sou vivo
Vivo pra cachorro e sei
Que cérebro eletrônico nenhum me dá socorro
No meu caminho inevitável para a morte
Porque sou vivo
Sou muito vivo e sei
Que a morte é nosso impulso primitivo e sei
Que cérebro eletrônico nenhum me dá socorro
Com seus botões de ferro
E seus olhos de vidro
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