segunda-feira, 26 de julho de 2010

Foi um rio que passou em minha vida

O Araguaia, na altura de Itacaiú, em uma das pontes que ligam Goiás a Mato Grosso



Agora posso dizer: conheço o Araguaia. E digo isso sem um sentimento xenófobo de bairrismo, sem o ranso de um regionalismo exasperado. Digo com o orgulho de quem conheceu um tesouro e uma beleza que não se encontram apenas nos cartões-postais do maior e mais importante rio goiano. Conheço o Araguaia porque tive contato direto com sua gente, com as pessoas que o amam, com quem, de fato, se importa com sua preservação.


A série de reportagens especiais publicadas no jornal O Popular durante 8 dias seguidos, ilustradas com as maravilhosas fotos do colega Renato Conde (autor da imagem que ilustra este post), resgata em quem gosta e em quem acredita em um jornalismo feito na rua, conversando com gente, e não em ambientes refrigerados, o estímulo para continuar. São nessas horas que o jornalismo, de fato, faz sentido e temos de lutar sempre para que ele seja realizado, ainda que as dificuldades sejam muitas e imensas.


Para mim, percorrer 2.500 Km em torno do Araguaia, conversando com o carroceiro que há 42 anos faz pequenas viagens puxando areia, com o balseiro que conduz travessias repetidas mas tão variadas a cada vez que são feitas, com a lavadeira do barranco, com o menino arteiro que pula de ponta nas águas, com o empresário que refloresta as margens, com a família que se muda para a beira do rio, foi uma experiência inesquecível. Sinto-me privilegiado por viver esses momentos de grande aprendizado e enriquecimento pessoal.


No trabalho com a linguagem, a série de reportagens também trouxe o exercício de um jornalismo mais criativo e menos automático. Nos 8 dias do projeto, batizado por mim como Araguaia: O Rio e Seus Afetos, foram publicadas 11 páginas inteiras, com textos e fotos. Em cada uma, duas histórias de amores incondicionais pelo rio: paixão, amizade, companheirismo, saudade, cumplicidade, cuidado. Para cada uma dessas páginas, uma canção brasileira foi eleita para nortear a narrativa.


Ao escrever, ficava ouvindo músicas de Chico Buarque, Tom e Vinicius, Gonzaguinha, Milton Nascimento, Beto Guedes, Flávio Venturini, Ivan Lins. E foi impressionante confirmar como esses caras sabem traduzir os sentimentos. Sentimentos que as pessoas têm por outras pessoas, mas também pelo rio de suas lembranças de infância, pelo companheiro de pescarias, pelo lugar em que tiveram alegrias e tristezas muito intensas.


O objetivo foi mostrar um Araguaia anímico, com personalidade própria, capaz de fazer amigos e despertar paixões. É um rio da identidade dos goianos, mas, acima de tudo, é um rio em que as pessoas vivem, na acepção mais completa do verbo. Eu, como turista ou trabalhando, havia estado em rios que me emocionaram pela grandeza e pelo enorme simbolismo.


Já visitei o Rio São Francisco lá em sua nascente, na Serra da Canastra (MG), e lá em sua parte final, na ponte entre Juazeiro (BA) e Petrolina (PE). Realizando um velho sonho de infância, estive no Rio Negro e o vi encontrar-se com o Solimões, formando o gigante Amazonas. E ainda tive sorte, pois lá estive em uma das maiores cheias de sua história. Já visitei o Rio Tocantins, também grandioso, o Rio Guaíba, em Porto Alegre, que, na verdade, é um braço de mar, e o Rio Capiberibe, dos versos de João Cabral de Melo Neto, no Recife.


Faltava o Araguaia. Um rio que, posso dizer, conheço mais que todos os outros. Um conhecimento que vem de sua gente, de seu povo, de suas emoções.

Um comentário:

Deire Assis disse...

E felizes somos nós, leitores seus, por também o conhecer mais agora, por suas palavras. Saiba que a intimidade do rio estava ali, presente nos seus textos e nos versos de poetas brasileiros escolhidos por você. Mais uma vez: impecável!

Aproveito para também parabenizar o trabalho do Conde. Quanta sensibilidade. Parceria.

E, ainda, para dizer que quando vejo projetos assim publicados, sou tomada por uma esperança que às vezes se cansa bastante em mim. Mas ela há de sobreviver. A esperança de que possamos, ainda, fazer muito jornalismo como esse que você fez.

Bjo!