sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008

Só alguns comentários bestas

Só porque a Amandita me chamou de "genial" porque escrevo crônicas, resolvi queimar a língua dela e provar, que na verdade, na verdade mesmo, sou muito mais estúpido do que algumas, caridosas e amigas, pessoas pensam.

- Dizem que para conhecer uma pessoa é preciso dar poder a ela. Concordo, mas outra forma eficiente de se aferir isso é contrariar a pessoa em teste. Contrarie a pessoa, não dê a ela o que deseja, atravanque seu caminho de propósito. Se ela esconde alto, certamente vai se revelar.

- É impressionante como as pessoas, em tempos de mudanças, tornam-se egoístas. A generosidade e a comunhão são dois exercícios muito, muito difíceis em situações normais. Em momentos atípicos, de stress, essas são qualidades praticamente inexistentes.

- Quando alguém pergunta sobre sua vida, sobre como será sua rotina, quando quer saber mais sobre um desafio profissional ou pessoal que você tem que enfrentar, nem sempre o interesse é bem intencionado. Tem gente que só sabe sabotar psicologicamente os outros, entre sorrisos falsos e desejos de boa sorte. Não devemos mesmo julgar os outros por nós mesmos. Nem por nossos defeitos e muito menos por nossas qualidades.

- A angústia e a tristeza, nos seus significados mais literais, estão cada vez mais presentes hoje em dia. Como diz a música, "um dia feliz, às vezes é muito raro." Não podemos deixar esses estados de espírito imperar o temoo todo, mas também não vale a pena lutar demais para bani-los. Eles, em muitos momentos, são educativos.

Eu avisei. São comentários bestas e estúpidos. Mas é que a gente precisa dividir coisas assim. Mesmo que seja com ninguém.

domingo, 24 de fevereiro de 2008

Retratos do cotidiano

Sempre encarei a crônica como pequenos instantâneos do cotidiano, em que uma linguagem mais solta, literária, se une à observação do mundo com um pouco de faro jornalístico. Não sei se estou certo ou não, mas tento fazer algo próximo a isso nessas primeiras incursões pelo gênero. Mais um resultado dessas experiências para vocês. Obrigado a todos pelo carinho e pelas visitas.


O Ernesto não tem jeito

Não, não tem jeito. O ano acabou e o Ernesto não se emenda.
Se ele bebe muito? Nada, só socialmente, como dizem.
Se ele trai a mulher? Bom, isso eu não sei.
Mas não são sobre os pecadilhos cotidianos que estou falando não. O problema do Ernesto é mais estrutural. Ele teve uma vida tranqüila, sem grandes porres ou amantes conhecidas, mas aí é que está o grande problema do Ernesto. A vida dele foi, é e vai continuar sendo muito tranqüila. Quer dizer, tranqüila sob um certo ponto de vista. Para a família dele, nada de tranqüilidade não. Há até uma dose de tormento, isso sim.
Se ele bate na mulher? Não, pára de pensar só o pior dos outros.
Se bem que o que o Ernesto faz não deixa de ser um tipo de agressão. É um tabefe psicológico, podemos dizer. O Ernesto, com aquela mania de economizar, de comprar casa para alugar, de deixar patrimônio para os filhos, não viu a vida passar. E ainda por cima tapou a visão da pobre da mulher dele. Por isso ela ficou amarga e os dois hoje, já caminhando para a velhice, só querem saber de brigar.
Mas aturar o Ernesto, todos estes anos, criando os filhos deles da forma mais regrada possível, mesmo a família podendo esbanjar um pouco mais, não deve ser mole não. Até entendo a rabugice da Socorro.
“Dinheiro não dá em árvore”; “não sou sócio da Celg, apaguem essas luzes”; “este ano não vamos viajar porque estou apertado.” Estas são algumas das frases que Ernesto repetiu como um mantra por toda a sua vida. E nem agora, com os filhos criados, todos já fora de casa, com a despesa bem menor e os aluguéis todos entrando direitinho na conta, o Ernesto não toma prumo.
Acredita você que ele não comprou presentes, neste Natal, nem para os netos pequenos?
E você acredita que o Ernesto continua a trabalhar feito um mouro para obter lucros de longo prazo? Ele incorre em erros que já perduram um longo tempo. O tempo de uma vida.
Em 2007, o Ernesto choveu no molhado em relação a seus defeitos. Não melhorou em nada. Até deu um pioradinha. É torcer agora para que em 2008 o Ernesto tenha de fato, pela primeira vez em toda a sua vida, um Ano Novo.

terça-feira, 12 de fevereiro de 2008

Centenário duplo



1908 foi um tanto sui generis na literatura brasileira. Nele, morreu um gênio e nasceu outro. Isso parece banal – e vai ver que é mesmo –, mas não deixa de ser uma grande coincidência que um mesmo ano marque o fim da vida daquele que é considerado o maior escritor brasileiro e, simultaneamente, seja a data de nascimento do único autor que conseguiu ombrear com o que acabara de morrer.

Na verdade, é uma incorreção. Os dois foram contemporâneos. Por apenas três meses, mas foram. Como viram aí em cima, refiro-me a dois gigantes: Machado de Assis e João Guimarães Rosa.
Difícil dizer quem foi maior. Difícil afirmar se houve um maior nesta dupla.
Asseguro apenas que os dois são os autores mais fantásticos que já li.
Não que tenha lido muita coisa, mas do que li até hoje, Machado e Rosa estão no topo.
Mas não pense você que vou ficar em cima do muro não. Tenho uma preferência sim. E ela é por Guimarães Rosa. Depois que conheci a obra do escritor mineiro, relutei muito em aceitar esta minha verdade. Machado de Assis, o autor que durante muito tempo idolatrei acima de todos os outros, perante Rosa, descia um degrau em meu pedestal particular. Um degrau apenas, mas descia.
Machado de Assis representa o que há de mais irônico em nossa literatura. Seu humor é fino, inteligente; sua crítica aos costumes, mesmo que tenha ficado um pouco datada em alguns aspectos, continua sagaz e estimulante. Ele é um revolucionário de seu tempo. Criou um narrador defunto em Memórias Póstumas de Brás Cubas muito antes de Pirandello escrever O Falecido Mattia Pascal. E Pirandello ganhou um Nobel por sua arte narrativa.
Em Dom Casmurro, Machado se apoiou em Shakespeare para mostrar o quanto as intrigas da cozinha ou os fantasmas medíocres do ciúme podem ser trágicos. E fez isso muito melhor que Eça de Queirós (de quem não gostava) em Os Maias.
Esaú e Jacó é um romance maravilhoso, com metáforas extremamente sutis e cortantes. Os gêmeos Pedro e Paulo lutam desde o útero e matam juntos uma mulher. E depois se desculpam, também juntos, de todos os seus pecados. E, amorais, tornam-se deputados. Bem sugestino, não?
E os contos de Machado de Assis são ainda melhores. Pai contra Mãe é o maior libelo contra a escravatura já escrito no País, mais até que O Navio Negreiro, a saga poética de Castro Alves. A Teoria do Medalhão é um murro no estômago das elites políticas nacionais. A Igreja do Diabo é um tratado de filosofia em forma de ficção.
Então, Machado é o maior...
Mas há um Rosa... E há um jagunço letrado chamado Riobaldo. E há uma linda guerreira-homem chamada Diadorim. E há a encarnação do diabo na pele de Hermógenes. E há tantos e tantos perdidos no meio do sertão semi-ficção que seria impossível listar todos. É impraticável medir a grandeza de um dos maiores monumentos literários já escritos. Sem falar em Sagarana, em Outras Estórias, em Corpo de Baile.
Grande Sertão: Veredas, porém, é incomparável. Quem diz isso não sou eu. São pessoas como Antonio Candido, o maior crítico literário vivo do Brasil. Quem diz isso é o professor Willi Bolle, um alemão que se mudou para cá apenas para estudar a obra, apaixonado que ficou ao lê-la em sua língua natal.
E como não ficar? A construção de tudo – personagens, enredo, linguagem – é tão firme, poética, bela, que, quando lia o livro pela primeira vez, perguntei-me várias vezes como era concebível estruturar uma narrativa como aquela. Não sei. Ninguém sabe. Só Rosa sabia.
Quem me conhece um pouquinho que seja sabe de minha adoração pelo livro. Ele me deu a oportunidade de fazer a reportagem mais gratificante de minha vida, a mais trabalhosa, a mais apaixonante que já fiz. Me embrenhei no sertão de Rosa, assim como ele fez na companhia de vaqueiros mineiros, e me joguei de cabeça naquele que considero ser o trabalho mais bem acabado que já realizei. Era um compromisso que tinha com o jornal em que trabalho, com os colegas envolvidos no projeto, comigo mesmo enquanto repórter. Mas, principalmente, um compromisso com Guimarães Rosa. Uma forma de agradecer, de retribuir o enorme bem que ele me fez ao escrever o livro mais lindo e intenso que já li.
Machado, outros séculos de paz em seu descanso.
Rosa, muitos outros centenários de lembranças e homenagens.
Aqui vai o meu agradecimento a dois escritores que fizeram toda a diferença em minha vida.

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008

Crônica

Como eu havia dito, aqui será um espaço também para mostrar alguns dos meus textos. Inaugurando, a primeira crônica minha publicada no jornal O Popular, em novembro do ano passado.



Dona Luísa, Seu Onofre


A risadinha banguela era sempre protegida com a mão, assim como o cabelinho estava sempre debaixo de um lenço estampado. Miudinha, Dona Luísa transpirava inocência. Destas inocências que a gente não encontra mais. Destas inocências em extinção, que não se sabem sequer inocentes. Ela tinha um chinelo velho, mas muitas vezes dava milho às galinhas, descalça mesmo, se unindo mais uma vez a uma terra que ela sabia cuidar. Dona Luísa tinha boa mão para a horta, para a criação.

Na época que Dona Luísa habitava uma casa que um dia tinha sido caiada de branco, com piso de chão batido, a menos de um quilômetro dela, do outro lado do córrego vivia Seu Onofre. Ao chegar na casa dele, lá onde sempre havia uma doce água de moringa e um bom dedo de prosa para oferecer, Seu Onofre vivia com sua velha esposa e duas irmãs que todos ali chamavam de "bobas". Mas era um adjetivo sem ofensa, sem maldade. Não tinha disso ali não. O ambiente era doce. Doce pelo reinado de uma certa resignação construída em uma vida dura, sem luz, sem grandes confortos. Mas também doce porque Seu Onofre fabricava rapaduras. Um melado dourado, mágico. "Decepar a cana, recolher a garapa da cana." Era este o ofício de beleza que ele tinha. As rapaduras de Seu Onofre eram famosas.

E dona Luísa já adoçou muito café com elas. E com ele já conversou muito sobre o passado, sobre os conhecidos que sumiram, sobre os pais que morreram, sobre tempos pretéritos e preocupações mais ou menos presentes. Ambos tinham no rosto a marca do tempo e da força que fizeram para viver. Ambos carregavam cicatrizes de perdas, o peso de lembranças boas e más. Dona Luísa e seu Onofre viveram seu tempo. Não estão mais aqui. Suas casas velhas têm outra ocupação hoje. Mas deixaram algo além de descendências. Os dois ficaram na lembrança de mais alguém, que ainda menino se encantava com aqueles dois. Com dona Luísa ainda mais. Ela que adorava cumprir grandes distâncias a pé e andava ligeira que ela só. Dona Luísa que oferecia a quem gostava gestos de carinho, como reservar os melhores ovos de suas galinhas poedeiras, a melhor hortaliça. Dona Luísa que cedinho estava no curral ajudando a apartar bezerros, que cozinhava para os homens da casa que trabalhavam na roça.

Dona Luísa, Seu Onofre. Que Deus os tenha. E que Ele nunca jogue fora a forma em que fez gente como vocês.

domingo, 10 de fevereiro de 2008

Estréia

Oi, gente. Quer dizer, nem sei se alguém vai ler isso aqui... Mas se ler, estou estreando meu blog e espero que ao menos os amigos dêem uma passada por aqui de vez em quando para perder um pouco de tempo comigo. Idéias, reflexões, comentários, algumas crônicas. Não prometo muito mais que isso não. Prometo ser sincero no que escrever. Isso eu posso assegurar. Se terá relevância ou não, aí caberá a cada um julgar. E se não tiver, não tem problema. O mais importante é se expressar. E é isso que quero fazer aqui, compartilhar este direito de me expressar com outras pessoas. E que as outras pessoas se sintam totalmente à vontade para fazer o mesmo neste nosso pequeno espaço na rede. Por enquanto é isso. Mas em breve haverá mais.
Abraço a todos