quinta-feira, 28 de junho de 2012

Evidentemente


Crônica que publiquei alguns meses atrás no jornal O Popular. Com o ensinamento de mestre Muniz Sodré, que me concedeu a honra de participar de minha banca de defesa de tese de doutorado na UnB sobre Jornalismo Literário. Nada como a sabedoria.


Evidentemente!




Não costumo falar aqui de fatos que ocorreram, preferindo inventar ou transmutar minha memória. Mas esse pequeno causo que vou contar é acontecido e testemunhado. No início desta semana, em uma defesa de tese, o grande professor Muniz Sodré, referência internacional na área da comunicação, ex-diretor da Biblioteca Nacional, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro e autor de 30 livros, deu mais uma prova de sapiência. Falando sobre linguagem, ele disse que o discurso, a fala tem um poder simbólico enorme dependendo de quem se pronuncia, quem ouve e em que situação essa relação se dá. E exemplificou afirmando que no Nordeste, quando alguém em melhor posição social se dirige a pessoas menos favorecidas, costuma sapecar um “evidentemente!” quando quer encerrar o assunto. É falar “evidentemente!”, de preferência com alguma ênfase, que o debate se esgota, a conversa acaba e tudo está resolvido, ainda que não esteja.

Pensei na hora que é exatamente assim e que o “evidentemente!” tem seus sinônimos. Pensei mais: que essas estratégias de fuga do debate também são ótimas para nos livrar dos chatos que não param de alugar nosso ouvido. Eu não sei quais são os “evidentemente!” que o leitor usa, mas eu tenho alguns. O mais preguiçoso é o “ahã”. Eu, pelo menos, falo “ahã” sempre que alguém a quem não quero prestar atenção cobra a tal atenção que eu não quero dar. A pessoa fala, seca a goela de tanto argumentar, explicar, narrar e recebe em troca o insípido “ahã”.

Outro recurso que emprego bastante é o “tá bom”. Para mim, quase tudo “tá bom”, ainda que esteja tudo ruim. É mais ou menos como aquele modão sertanejo, em que “tá ruim, mas tá bom”. Tá bom coisa nenhuma. Estará bom quando a pessoa parar de falar potoca pra mim. Aí estará bom. Também falo muito “pois é”. Uso esse “pois é” como um coringa, até mesmo quando quero interromper a pessoa naquele misto de elegância e deselegância que certa gente bem que merece. Agora, o meu “evidentemente!” preferido é, sem dúvida, o “sei”. Ele denota, na medida certa, a falta de paciência em continuar escutando um interlocutor que não para de falar, ainda mais se o que ele estiver falando for abobrinha. E o “sei” também é um pouquinho cínico e arrogante, já que, na maioria das vezes, eu não sei porcaria nenhuma, mas digo “sei” para parecer mais inteligente do que sou e tirar do outro o domínio da sabedoria que ele acha que tem na conversa. Se ele sabe e me explica, deixo claro que eu também “sei”, ora essa!

O que fica de ensinamento disso tudo é que devemos empregar nossos pequenos refúgios discursivos todas as vezes em que estivermos em perigo. Um político safado veio lhe pedir votos? Jogue um “tá bom” e saia de perto. Um pastor ou um padre veio lhe ameaçar com o fogo do inferno? Responda um breve “ahã” e dê as costas. O síndico veio encher o saco por conta da festinha da noite passada? Solte um “pois é” e faça cara de paisagem. Um chato pedante veio lhe ensinar a viver do jeito que ele acha certo? Resuma sua resposta a “sei” e pronto. Conversa fiada, conversa encerrada, evidentemente!

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