terça-feira, 26 de abril de 2011

A estrada de cada um

Essa canção, cantada por Fagner lá em 1980 na abertura da novela Coração Alado, por algum motivo me traduz em vários momentos de minha vida. E este é um deles. A ingenuidade foi perdida, há horas em que nos deparamos com verdadeiros desertos, mas há sempre uma estrada a seguir. Uma estrada que só pode ser trilhada por nós mesmos. Sempre achei esses versos lindos, mesmo que tenham lá seu tom um tanto passadista.




Noturno


O aço dos meus olhos
E o fel das minhas palavras
Acalmaram meu silêncio,
Mas deixaram suas marcas...


Se hoje sou deserto
É que eu não sabia
Que as flores com o tempo
Perdem a força
E a ventania
Vem mais forte...


Hoje só acredito no pulsar das minhas veias
E aquela luz que havia
Em cada ponto de partida
Há muito me deixou
Há muito me deixou


Ah, coração alado
Desfolharei meus olhos
Nesse escuro véu
Não acredito mais no fogo ingênuo da paixão
São tantas ilusões perdidas na lembrança
Nessa estrada, só quem pode me seguir sou eu...

segunda-feira, 18 de abril de 2011

Uma Dor Universal



A crônica a seguir foi publicada no jornal O Popular em 15 de abril e teve uma repercussão tão grande que me surpreendeu. Foram tantos os que pediram para eu incluí-la aqui neste blog, que resolvi atendê-los. Espero que gostem

Uma Dor Universal



A humanidade está cheia de cizânias, guerras civis, desentendimentos variados, mas, acima de religiões, etnias, posicionamentos políticos, paixões futebolísticas, há algo que une a espécie: a dor de barriga. Esta é igual para todos! Quer dizer, algumas são piores, é verdade... O que importa ressaltar, porém, é que o famoso piriri é soberano, universal, democrático, planetário. Aquele que não tenha sentido, ao menos uma vez, aquela pontada profunda lá no baixo ventre que prenuncia momentos de pavor e desespero, que jogue o primeiro rolo de papel higiênico dupla face! Nem todo mundo tem dor de cabeça.

Nem todo mundo tem dor renal. Nem todo mundo tem dor de cotovelo. Mas todo mundo tem dor de barriga. Dessa, ninguém escapa. Os reis e a plebe, as prostitutas e as beatas, os corruptos e os honestos, os analfabetos e os intelectuais, os vilanovenses e os esmeraldinos. Todos, absolutamente todos, um dia, se curvam ao poder inabalável de um intestino solto. Todos já ouviram o estrondar de tripas se remexendo em desordem, Já sentiram o suor frio que percorre a espinha, a fraqueza que bambeia as pernas, o olhar que se esbugalha e do sentimento de que não vai dar tempo de chegar ao primeiro banheiro disponível.

A dor de barriga é uma instituição poderosa, e não só humana. Estamos na companhia de gatos, cachorros, bois e uma gama enorme de bichos nessa luta insana e ingrata contra nossas próprias entranhas. A diferença é que não saímos por aí pastando plantinhas no quintal como eles quando padecem do famoso enxurrio. Nós vamos à farmácia, pedimos pelo amor de Deus um remedinho milagroso. Mas esse é um erro grave. Nessas horas, é melhor deixar rolar, ainda que você fique desidratado até a medula. É preciso adotar a postura da flor e se plantar no primeiro vaso que conseguir encontrar. E mesmo ali, no ambiente adequado para tais momentos de horror, ainda há aqueles que são literalmente torturados pela própria diarreia.

A dor de barriga também é solidária. Todo chefe compreende quando o funcionário justifica a falta dizendo: ‘Tive uma dor de barriga ontem de lascar!” Experimenta substituir isso por: “Tive uma dor de ouvido ontem de lascar!” Não dá o mesmo efeito, não é? E é impressionante como todos conseguem imaginar com perfeição a situação. “Tive uma dor de barriga.” Ao ouvir essa frase, seu interlocutor logo faz cara de nojo, parecendo sentir odores desagradáveis, como se você estivesse resolvendo o problema ali, naquele momento, na frente dele! Fico intrigado como os poetas, os compositores, os dramaturgos não dedicam seu talento estético à dor de barriga. Ela, sim, é emblemática da natureza humana, diz muito mais de nosso ser que qualquer existencialismo, filosofia ou arte. Decartes deveria ter dito: “Tenho dor de barriga, logo existo.”

As religiões do mundo deveriam dar mais atenção para tais incontinências. As cólicas no baixo ventre nos faz acreditar mais em Deus, clamando por sua misericórdia. Não há ateu que não se converta nesses instantes de profundo sofrimento. São momentos em que avaros percebem que suas fortunas nada lhes valem, que vaidosos veem suas maquiagens derreter, que gulosos se penitenciam por ter comido tanto. A dor de barriga nos une a todos e nos mostra o que há – algumas vezes em abundância – dentro de nós além das qualidades que julgamos portar. Sim, amigos, dor de barriga pega um, pega geral, e também vai pegar vocês! Um hora pega...