Esta crônica foi publicada no jornal O Popular no dia 2 de março e gerou tanta repercussão entre os leitores que decidi postá-la aqui, como uma pequena homenagem a um dos grandes autores brasileiros das últimas décadas.
Moacyr!!!!!
Meu primeiro contato com Moacyr Scliar foi assim, no grito! Era fevereiro de 2004 e ele, pouco tempo antes, havia tomado posse na cadeira nº 31 na Academia Brasileira de Letras. Estávamos no Aeroporto de Congonhas, em São Paulo. Eu esperava um voo para Goiânia e ele resolvia algum problema no guichê da TAM. Quando o vi, estava de costas e não tive certeza se era de fato quem eu pensava. O aeroporto, para variar, estava cheio e tumultuado. Só tive a confirmação alguns minutos depois, quando o vi entrar na fila de embarque para um voo que ia para Porto Alegre.
Sim, era Moacyr Scliar. Não tenho muitas fotos com celebridades, apesar de já ter entrevistado várias delas, mas, como alguém que cobre literatura, não perco a oportunidade de pegar um autógrafo dos autores que li e admiro. Moacyr era um deles. E ele estava ali, no saguão, dando a maior sopa. Não ia perder a chance. Corri até a livraria do aeroporto e comprei, às pressas, um exemplar de Melhores Contos de Moacyr Scliar. O problema é que antes da reforma do aeroporto paulista, a livraria ficava inconvenientemente distante da ala de embarque da TAM. E lá fui eu, correndo entre malas e passageiros, a tempo de pedir a assinatura de Moacyr Scliar antes do embarque.
Foi aos 45 do segundo tempo, mas foi. Quando o vi, ele já estava entregando seu bilhete de embarque para a funcionária da Infraero. Em um segundo, ele sumiria de minhas vistas. Eu estava a uns 20 metros de distância. Não tive dúvidas: Moacyr!!! O grito ecoou pelo saguão do aeroporto e muita gente se assustou, inclusive o escritor. Ele voltou, com ar espantado, como a perguntar o que era aquilo. E o que viu foi um sujeito ofegante se aproximando com um livro seu na mão: “Me dê um autógrafo, por favor.” Ele riu, brincou com o susto que havia levado e escreveu: “Para Rogério, leitor alado, o abraço de Moacyr Scliar. Congonhas, fev. 04.”
A partir daquele dia, eu falaria com Moacyr Scliar várias outras vezes, geralmente por telefone. Quando precisava de uma opinião sua para determinada matéria, ligava em sua casa e ele me atendia. Nunca deixou de ser solícito, atencioso. Fiz isso na reportagem sobre o centenário de Erico Verissimo, conterrâneo e mestre de Scliar; na matéria a respeito dos novos autores gaúchos; na enquete com escritores sobre o gênero romance.
Fiz ainda uma entrevista sobre o projeto Vozes do Golpe, quatro livros com relatos da ditadura militar que ele escreveu ao lado dos amigos Carlos Heitor Cony, Luis Fernando Verissimo e Zuenir Ventura. Para falar das obras, os quatro vieram a Goiânia em 2005, na 1ª Bienal do Livro de Goiás, e Moacyr tinha um presente para mim: um exemplar de Mistérios de Porto Alegre, devidamente dedicado.
Na conversa que tive com os quatro pouco antes do evento, Moacyr autografou outro livro dele, o Contos Reunidos, e escreveu algo inesquecível para mim: “Para o Rogério, homenagem a seu talento e sua cultura, com abraço do Moacyr Scliar. Abr. 05.” Em 2007, voltaria a me encontrar com ele por acaso, no Aeroporto de Cumbica, e nós fomos jogando conversa fora de Guarulhos até a Avenida Paulista, onde desceríamos com compromissos diferentes.
Moacyr morreu no domingo, deixando esse tipo de lembrança. Ele foi um homem cativante, polido, alegre. Na já citada vinda a Goiânia, ao lado dos amigos escritores, esbanjou bom humor, simpatia, fez ótimas tiradas para deleite do público. Sei que é pouco, Moacyr, mas esta crônica é uma singela homenagem a seu talento e sua cultura.