Publiquei esta crônica sobre uma das figuras mais carismáticas que já vi na TV no último domingo, dia 2 de agosto. Escrevi este texto em meia-hora, se muito, inspirado pelas lembranças dos 15 anos da morte de Mussum. Engraçado é que muita gente veio comentar comigo que havia lido a crônica, recebi diversos e-mails de leitores do jornal que não conheço e o que senti em todos foi um intenso sentimento de identificação. Recordar é mais que viver. Recordar é preciso.
Cacildis, que saudadis
Uma das cenas mais marcantes da TV de que me lembro é Didi Mocó, com uma peruca de Maria Bethânia, como aquele “cabelo você me azucrina”, como diria uma querida amiga minha, num clipe de Terezinha, de Chico Buarque. Na estrofe
“O segundo me chegou
Como quem chega do bar
Trouxe um litro de aguardente
Tão amarga de tragar”
eis que surge ele, Mussum, entrando no quarto, trocando as pernas, com uma garrafa de pinga na mão e já dando um catiripapos em Didi.
Aqueles eram os anos 80, em que o início das noites de domingo era ocupado por um humor ingênuo, pastelão, com alguns rasgos de perversidade, e não por celebridades sebentas e vazias, como hoje. Os Trapalhões faziam rir com situações simples e piadas prontas, cheias de estereótipos e com tiradas politicamente incorretas. Mas o carisma daquela turma transformava o programa em um fenômeno de audiência e alavancava a bilheteria dos filmes de Didi, Dedé, Mussum e Zacarias. Perder um filme dos Trapalhões? Mas nem pensar, de forma alguma!
Esta semana lembramos os 15 anos da morte de um deles, talvez o mais alegre, o mais simpático, talvez até o mais engraçado de todos. Mussum era puro sorriso e com seus dentes alvos fazia rir, assim como provocava gargalhadas quando ficava nervoso e queria sair no sopapo com quem tentava passá-lo para trás.
Lembro-me perfeitamente de quando um plantão da Globo, num sábado de manhã, anunciou a morte de Mussum. Zacarias já havia partido quatro anos antes e desde então eu percebera, surpreso, que aqueles caras não eram imortais. Mussum, porém, era especial. Ele tinha ginga, tinha uma malandragem gostosa de se ver. Era um comediante com ritmo, malemolência.
Talvez o que tenha mais marcado Mussum foi a maneira genial como ele trabalhava sua cor negra no humor. Hoje tudo é ofensivo, tudo é discriminatório, as pessoas ficaram mais radicais. Mas Mussum, quando queria enganar um incauto em algum truque para ganhar uns trocados a mais, garantia: “Quero morrer pretis se eu estiver mentindo.” Ou quando alguém se referia a ele como negão ou crioulo. “Negão é seu passadis”; “Crioulo é sua véia.”
E Mussum completava, com sua cor e seu jeito, a representação brasileira que havia em Os Trapalhões. Ele era o carioca, o negro, a alegria africana que corre em nossas veias, assim como Dedé era o homem urbano e metido a sabichão, Zacarias era o homem do interior, mineirinho ingênuo, mas engenhoso, e Didi o retirante nordestino que sempre dava um nó em quem o considerava uma vítima fácil.
No quarteto, Mussum se destacava pela gargalhada rasgada, por uma espontaneidade desmedida, por seu jeito tão particular em terminar certas palavras com “is”, criando um dialeto próprio. Comediante inteligente, usou todos os recursos de que dispunha para divertir os outros. Tirou partido do samba no pé, do gosto além da conta pela bebida e até do porte físico. Bundudo, imortalizou a palavra “forébis” para se referir ao traseiro, dele e o dos outros.
Rever cenas de Os Trapalhões é cair em um certo saudosismo, não tem jeito. Como esquecer Didi e Mussum, vestidos, de Clara Nunes e Clementina de Jesus, em um clipe em que um dá rasteira no outro em uma praia enquanto cantam? Como não rir com Mussum de peruca com cabelo alisado apresentando um telejornal? Não dá. Aquilo era muito bom. Cacildis, que saudadis.