segunda-feira, 21 de julho de 2008

Joseph Barbera





Esse texto eu publiquei na ocasião da morte de Joseph Barbera, um dos magos dos desenhos animados. É um texto simples, mas que me trouxe tantas e doces recordações que resolvi dividi-lo com vocês.




Dívida Impagável

Não. Não é possível saldar uma dívida de tantos anos. Não é fácil pensar em algo que possa se equiparar a tanta alegria, a tanta magia, a tantos vôos da imaginação. Não, senhor Joseph Barbera. Serei para sempre seu devedor. Seu e de seu parceiro William Hanna. Mas tenho certeza de que esta é uma dívida que jamais será cobrada, nem de mim e nem de milhões de outras pessoas que assim como eu se divertiram, riram, se afligiram e sonharam com mundos outros que não este ao assistirem às suas dezenas de criações na telinha.
Com muita ludicidade, o senhor nos deu momentos de intensa e genuína felicidade na infância, na adolescência e, por quê não confessar, também na idade adulta. Sua vida terrena que se encerrou na última segunda-feira, em Los Angeles, aos 95 anos, senhor Barbera, foi tão proveitosa para tantas gerações que a morte se apequenou diante do legado deixado. Seus desenhos animados podem estar de luto, mas a tristeza nunca combinou com eles. Não seria agora que ela se imporia. Quantas criaturas maravilhosas o senhor nos apresentou, senhor Barbera. A quantas viagens extraordinárias o senhor nos levou por meio de seu traço? Com o cartão de visitas que o senhor deu a todos os seus fãs, conheci um mundo distante habitado pelos Herculóides, em que rinocerontes atiravam pedras biônicas e um gorila de pedra defendia crianças.

Viajei pelo espaço a bordo da nave de Space Ghost. Fui ao passado presenciar a rabugice de Fred Flintstone e a fidelidade de Barney. E que surpresa tive quando descobri que naquela época os freios dos carros eram as solas dos pés dos motoristas, que Fred trabalhava no lombo de um brontossauro e que o cachorro de estimação daquela família se chamava Dino. Não sei dizer quantas vezes desejei ter um igual no quintal de casa... E a força hercúlea de Bambam e a doçura e inteligência de Pedrita? Na relação de amizade entre os vizinhos, uma mensagem implícita para todas as idades.

E o que dizer do futuro então? Os Jetsons e sua empregada robô, seu cachorro com antenas, o caçula Elroy e suas invencionices. É difícil dizer para quem eu torcia nas eternas perseguições de Tom e Jerry. Não sabia direito quem era o herói ou o vilão. Havia dias em que eu era partidário do rato. Em outros, do gato. Mas do cachorro Scooby-doo e de seus amigos Salsicha, Fred, Daphne e Velma... destes eu seria um fiel escudeiro... se pudesse, claro. Um dos meus sonhos de meninice era participar de uma caça ao fantasma como aquelas a que eu assistia. Como adoraria ter um cachorro falante e covarde como Scooby.

A mesma simpatia tinha pelo gato Manda-Chuva e seu molejo malandro, com aquele ar de quem tem sempre a situação sob controle. Morria de rir das estripulias que ele armava para o guarda Belo naquele beco que poderia ser em qualquer lugar. Guarda? Alguém falou em guarda? Ou seria "seu gualda"? Sim, é ele mesmo. Zé Colméia, o urso mais viciado em guloisemas da história do Parque Jellystone. Com o companheiro Catatau, este camarada gente boa aprontava todas e algumas mais. Ele tinha um jeitão todo sestroso que marcou outras criações suas, senhor Barbera, como o rosado Leão da Montanha – sempre saindo pela direita –, o crocodilo Wally Gator – sempre dando um jeitinho de fugir do zoológico –, e o leão Lippy – acompanhado da hiena pessimista Hardy – "ô dia, ô vida, ô azar".

Tinha ainda a famosa Clementina da música cantada por Dom Pixote, o tartaruga espadachim Touchê, a viola maluca de El Cabong, o disfarce desastrado do cavalo Pepe Legal. Uma das coisas que nos ensinou, senhor Barbera, de forma muito delicada e bonita, foi o respeito ao diferente, à personalidade de cada ser vivo que nos cerca. Do baixinho Babalu ao grandalhão Tutubarão, da biônica Formiga Atômica ao neurastênico coelho Ricochete.

Mesmo seus personagens cheios de falcatruas, senhor Barbera, exerciam um fascínio especial. O que dizer, por exemplo, de Dick Vigarista e o cão Mutley/Rabugento – "medalha, medalha, medalha" –, em suas presepadas para ganhar a Corrida Maluca ou para capturar o pombo com a desmiolada Esquadrilha Abutre. Ou o Gargamel, o implacável perseguidor dos Smurfs. Mas estes eram totalmente compensados com heróis como Jonny Quest e Hadji, os garotos detetives, sempre escoltados pelo cão Bandit. Ou pela bonita relação entre Bobby Pai e Bobby Filho – "Oh, meu querido e magnânimo pai."

Seria impossível aqui, senhor Barbera, relembrar tudo que gostaria. Os gritos malucos do Capitão Caverna, a Sala de Justiça dos Super-Amigos, as deduções excêntricas de Olho Vio e Faro Fino e os resmungos de Zé Buscapé. Como vê, senhor Barbera, minha dívida é mesmo impagável. E é melhor que seja assim. Esta é o melhor débito que já contraí e dele não quero me livrar nunca.

terça-feira, 8 de julho de 2008

Sinuca de bico



Adoro jogar sinuca e bilhar (sabia que há diferenças entre os dois?) Por isso, fiz essa crônica descrevendo uma partida de bilhar. Espero que gostem.

A arte da guerra... No bilhar

Os oponentes se encaram. Olhos nos olhos e o único pensamento possível: vencer.
"Vamos jogar uma partidinha?"

É hora de escolher as armas do duelo. O taco mais reto, com a cabeça em melhores condições, no peso certo. De preferência, aquele de estimação, que tem uma marquinha na madeira para diferenciá-lo dos demais.

As bolas são postas no pano verde. O barulho do marfim se tocando é a senha para os curiosos se aproximarem.

É hora de espalhar as bolas e tentar matar alguma na primeira tacada, forte e cheia de efeito. Ás colado na tabela, o jogo começa. São 14 bolas para morrer.

Com técnica, o jogador que saiu mata a 2 azul no canto. E já está de olho na 14 verde que ficou reta em outra caçapa. É hora de estudar o jogo. Matar descolando a 10 que está na tabela para pegá-la no meio. Mais uma bola morre, e outra. Com efeito, sobe o bolão e pega a 4 roxa lá em cima, ajeita a 6 verde no meio e rola a 8 preta para a boca. Ótimo início. Só tem uma mal posicionada, a 12 roxa, entre duas bolas rosas, a 5 e a 13, do adversário. É hora de seu oponente mostrar a que veio.

Ele começa com uma bola difícil, longa, mas a 3 vermelha entra na caçapa de metal fazendo barulho. Com técnica, ele deu uma "paradinha" no bolão, deixando a 7 marrron reta no meio. Matando-a com meia-força, descola a 11 vermelha, ajeitando-a no outro canto. A mata com força pegando "na bunda" a 9 amarela. Outra bola morta. É hora de rolar a 15 marrom para a boca e deixar o adversário abrir o jogo.

É a arte da guerra. Todas as jogadas são minuciosamente estudadas. Os dois precisam se defender. Em torno da mesa, eles se movem como dançarinos, numa coreografia não-ensaiada. A forma como seguram o taco mostra o nervosismo. Mãos suadas exigem o uso do giz branco.
Quem mata as pares deixa seu 8 na boca e bate, de leve, no 12, tentando abrir só sua bola. Cola o 5, mas deixa o 13 para o adversário. Ele agradece, mata a bola e rola o 5 para a boca. Já são três caçapas ocupadas. Em jogada espetacular, quem mata as pares corta a 12 por fora, matando-a no meio. Mas o bolão acaba morrendo também. É suicídio e o jogo é castigado. Sai a menor bola do oponente, a 5 que está na boca. Agora, resta o 15, que ele mata com efeito, esbarrando no ás. Mas ele fica no rumo da caçapa onde está o 8. É hora do prego.

Devagarzinho ele estaciona o bolão atrás do ás. Ao adversário resta matar o 8 sem triscar na bola amarela. Se cegar, perde o jogo. Depois de muitos cálculos, a única saída é fazer o bolão correr toda a mesa, bater em três tabelas e matar a bola. Jogada complicada, quase impossível. Mas com perícia, ele a executa com perfeição. Agora, quem matar o ás, ganha. O combate terá um vencedor.

Meia hora depois, os dois já estão tomando uma cervejinha juntos e falando de futebol. Quem ganhou aquela guerra? Que guerra que nada. Era só uma partida de bilhar.