terça-feira, 6 de março de 2012

Viva Gonzagão




“O candeeiro se apagou, o sanfoneiro cochilou, a sanfona não parou e o forró continuou.” Meus avós maternos eram cearenses e eles gostavam de contar muitas histórias dos forrós lá do interior do Nordeste, onde o povo parecia ter fôlego de maratonista queniano. O arrasta-pé durava a noite inteira, com o forró pé de serra, o xote, o baião. Esses ritmos todos tiveram em Luiz Gonzaga o maior de todos os artistas, o rei da sanfona, o poeta do sertão. Gonzagão era mais que um ídolo para meus avós e para milhões de nordestinos que saíram de sua terra em paus-de-arara para tentar a sorte no Sul. Gonzagão era um dos seus grandes representantes, o homem que cantava e traduzia em versos e melodias suas alegrias e tristezas, suas lembranças e saudades.

“Eu penei, mas aqui cheguei”, cantava o Velho Lua, talento puro na condução da sanfona. Este ano marca o centenário de Gonzagão e seria bom que não esquecêssemos alguém que fez música de verdade, não esses refrões pegajosos e vazios que tanto sucesso fazem hoje em dia. Com o devido respeito a Januário, pai do grande sanfoneiro e imortalizado num forró clássico, Luiz Gonzaga contribuiu para que a música brasileira ganhasse os contornos que tem hoje. No tempo da bossa-nova e da genialidade de Tom Jobim, no momento em que o samba se refinou com Pixinguinha, Gonzagão trouxe algo totalmente diferente, cantando proezas e amores, fazendo piada com valentias e perplexidades, narrando os estranhamentos que o nordestino costumava ter ao se deparar com o que encontrava em cidades como São Paulo e Rio de Janeiro.

As metáforas de Luiz Gonzaga – “Quando o verde de seus olhos se espalhar na plantação” ou “saudade assim faz doer e amarga que nem jiló” – flertavam com a perfeição. Falavam às pessoas simples com extrema inteligência e poesia, representando amarguras e sonhos de milhões de pernambucados, paraibanos, potiguares, alagoanos. Gonzagão era o grande artista de rosto redondo e cabeça chata que tinha o tisnado do Sol do sertão e o humor perspicaz do nordestino. As canções pontuadas pelo triângulo e o zabumba eram, também, verdadeiras crônicas de costumes e tipos sociais, como a menina que “só pensa em namorar”, o devoto que pede chuva aos céus para salvar sua lavoura, da morena que dança no “resfolego da sanfona até o Sol raiar” e que “faz o veio ficar moço”.

Luiz Gonzaga não é um injustiçado em sua importância. Ainda bem. O Nordeste inteiro ainda tem seus grandes sucessos na ponta da língua, assim como as grandes comunidades nordestinas espalhadas pelo Brasil. Gilberto Gil gravou um disco quase só com suas músicas. Chico Buarque caiu no forró ao lado de Dominguinhos para prestar seu tributo. Marisa Monte também o regravou, assim como Caetano Veloso, Gal Costa, Maria Bethânia. Ele se transformou numa referência e seu centenário este ano será comemorado como se deve: com muito forró por todo este País. Este singelo texto é um agradecimento aos muitos forrós que já dancei ao som de Luiz Gonzaga. “Vixe, como eu tô feliz, olha só como eu tô pago. Aquilo é que é forró, é forró de cabo a rabo.”