domingo, 29 de junho de 2008

Um jornalismo de ainda...

Por quê o jornalismo?
Essa pergunta, acredito, persegue a todos que, de fato, se importam com a profissão.
Ela vem me acompanhando e me encontrando em muitos papéis. Estudante, profissional de redação, professor. Os argumentos vieram mudando no decorrer do tempo, na medida em que a experiência de profissão ensinava algo.

Sim, os anos de profissão trouxeram uma certa descrença em determinadas situações, alguma insatisfação pessoal e um calejamento do lombo, tão alvejado por pressões de toda ordem.
Mas sabem de uma coisa? Se o jornalismo não for assim, não tem muita graça. Um certo tesão sadomasoquista? Pode ser. A grande magia do jornalismo, porém, é estar perto do diferente, do que não faz parte de seu cotidiano. É compreender as pessoas que vai encontrando pelo caminho.

Eu ando pelo mundo
Prestando atenção
Em cores que eu não sei o nome
Cores de Almodovar, cores de Frida Kahlo, cores

O bom é não saber o nome de todas as cores, é descobrir tantas tonalidades, é ainda ter a capacidade de se surpreender, de se indignar, de se emocionar com as pessoas, com as situações, com os lugares que o jornalismo proporciona encontrar.

Passeio pelo escuro
Eu presto muita atenção no que meu irmão ouve
E como uma segunda pele, um calo, uma casca
Uma cápsula protetora
Eu quero chegar antes
Pra sinalizar o estar de cada coisa
Filtrar seus graus

É bom passear pelo escuro, não ter idéia do que vai encontrar ou ouvir ao sair para uma pauta, ao conversar com uma pessoa. É bom sentir-se o elo que liga uma realidade escondida ao restante das pessoas que ainda a desconhecem. É bom chegar antes e anunciar algo que ninguém ainda sabia. É bom sinalizar para problemas que estão sendo ignorados, é bom filtrar informações inverídicas.

Transito entre dois lados
De um lado, eu gosto de opostos
Exponho o meu modo, me mostro

O jornalismo é transitar entre todos os lados, é evidenciar os opostos, é expor, mostrar. Jornalismo para mim ainda tem algo de mágico, algo de intangível e de inclassificável. Ainda não perdi todas as minhas ilusões. Ainda gosto de me desafiar a escrever um texto gostoso, a tentar tirar de um entrevistado algo que ele nunca disse a ninguém, a defender os direitos de quem não os exerce, a comentar uma obra interessante, conversar com pessoas que tenham algo a dizer. Minha visão de jornalismo ainda é caloura, ainda é crente, ainda é boba. Não conseguiria fazer algo que não tenha o mínimo de ludicidade, de criação. Mesmo que tenha "remoto controle" sobre muita coisa nesse processo, ainda quero fazer parte dele, espernear, argumentar, entristecer-me e realizar-me no ofício que escolhi. Ainda...

quarta-feira, 11 de junho de 2008

Espetáculo estranho


É possível viver algo e sentir exatamente o contrário daquilo que se deveria estar sentindo em determinada situação?

Acho que sim...


As conquistas não são poucas. Mais até para um ano que, de alguma forma, por certos sinais imperceptíveis à platéia, pressagiava mudanças.

Elas estão vindo, não decepcionaram.


E virão ainda mais. Talvez mais até do que o diretor desse espetáculo chamado vida particular poderia imaginar.

O roteiro está bom, o público aplaude, mas...

Mas...


Esse mas que não some. Irritantemente persistente.

Ingratidão com o que a vida oferece, com as oportunidades que vão surgindo... E o diretor não sabe lidar bem com os elogios da crítica, não se convence de que sua produção está dando certo.

Permanece triste na coxia, como se tudo estivesse errado.


Imprevistos existem, mas não deveriam ser tão superdimensionados.

Alguns atores com que contamos podem não agir como o diretor prevê. Se omitem, se escondem, não querem subir ao palco, têm encenações mais importantes em que pensar.

Outros, que estão sempre por aí, como fantasmas da ópera, costumam aparecer de vez em quando. Mas tudo isso deveria fazer parte do show, só isso.


Entre comédias e tragédias, entre cenas cômicas e dramáticas, para o diretor deveria ser mais importante que a peça continuasse em cartaz, de alguma forma agradando a si e a quem de fato importa. Mas... Ele continua lá, cabisbaixo, vendo o copo sempre meio vazio.


Estranho, muito estranho esse espetáculo de viver.

domingo, 1 de junho de 2008

Crônica da Dona Iraci

Esta crônica foi publicada e gerou reações iradas. Uma leitora escreveu uma carta dizendo que eu era sádico e colocando em dúvida a existência de minha mãe, já que apenas um desalmado poderia ter escrito o que escrevi.
Eis a crônica da discórdia.



Dona Iraci vai cair


Uma vez a cada quinze dias, dona Iraci vai no Centro fazer compras. Compra tudo o que vê, a infeliz. Volta para casa com um monte de sacolas de plástico nas mãos. Tem um mau-gosto desgraçado. Sempre sobe no ônibus por volta das 4 da tarde, quando o coletivo ainda não está muito cheio. E dona Iraci gosta de viajar sentada. Também, com aquelas pernas varizentas. Ela se esparrama no banco, aquela gorda, e fica soterrada com aquele monte de sacolas.
Mas naquele dia, dona Iraci bobeou. Bem feito. A folgada passou pela catraca e quis se sentar lá na última fileira, na traseira do ônibus. Que erro terrível, dona Iraci! Lá foi ela, atulhada de sacolas, mastodôntica, em busca do banco vazio quando, de repente, o ônibus freou bruscamente. E veio voltando dona Iraci, de ré, catando cavacos de costas. Todo o caminho percorrido desde a catraca ela ia refazendo, só que agora sem rumo, sem nada para se apoiar. É, dona Iraci vai cair. Hoje, essa miserável cai.
"Estava tão próxima", pensava dona Iraci, "tão perto daquele banco. Maldita freada. Onde é que eu vou parar, meu Deus", se perguntava ela. "E se eu me machucar no tombo, Virgem Maria. Como é que vou fazer a janta hoje, como é que vou pegar o Diogo na creche. Também, a Amália encosta, viu. Arruma filho sem pai e estrepa a mãe. Por quê ela mesma não pega o filho. Tudo nas costas da avó besta aqui".
Dona Iraci reclamava em pensamento, mas isso não a ajudava. Amaldiçoar os paspalhos dos passageiros que não faziam nada para ampará-la não evitava o destino final. E bem que ela merece um destino trágico. "A catraca. Jesus amado, vou rachar o coco na catraca. Ou então vou quebrar os dentes em alguma quina de banco. Não tenho dinheiro para ficar colocando dente novo não." Dona Iraci, dona Iraci... A senhora não toma jeito mesmo. Prestes a se estabacar e pensando em miudezas. Mas seu pensamento é miúdo, né, dona Iraci? Miudezas vão se espalhar todas pelo piso do ônibus. Os colares de contas vão se esfacelar, aquele jogo de copos americano vai virar caquinhos, o lençol barato vai rasgar.
É, dona Iraci, não tem jeito, a senhora vai cair. Vai se esborrachar no chão como um saco de batatas, vai se estatelar no piso do ônibus, vai virar os cambitos pra cima, vai dar vexame na frente de desconhecidos, mostrar a anágua, a calçola, tudo, dona Iraci.
Mas dona Iraci merece esse tombo. É reclamona, maledicente, fofoqueira. Espalha mentiras sobre os vizinhos. Tem vergonha da filha que é mãe solteira, vive jogando isso na cara da coitada. Agora a freada do motorista fará justiça. Dona Iraci, com todas as suas tranqueiras, vai pro chão, vai ruir, vai desabar como um prédio velho. Vai dona Iraci, cai logo, desgramada. Tomara que trinque a bacia, que pise colocar pinos no braço. Senão, do que terá valido subornar o motorista do coletivo, pagando para ele dar essa freada quando a filha da mãe dessa xexelenta passasse pela catraca. Ah, Dona Iraci. A senhora me paga, diaba velha. Todas as mentiras que espalhou de mim na vizinhança, todas as insinuações maldosas, todos os prejuízos que sofri. Pagará com juros. Hoje Dona Iraci vai cair.